domingo, 24 de setembro de 2017

MARI


Mari é uma mulher de sessenta anos, olhos de um azul profundo e hipnotizante, seu cabelo loiro com algumas mechas brancas, fruto da idade e experiência de vida, alta e muito magra, herança de sua mãe, Ana. Quem a olha logo imagina, que mulher elegante, deve ser arrogante, rica e mimada.
 Mari tem simplesmente um bom gosto para roupas e sua elegância vem dela mesma, não de uma riqueza que ela não possui.
 Ela foi criada no campo, trabalhou toda sua infância e adolescência plantando legumes e hortaliças, como alface, couve, taioba... para sobreviver, juntamente com seus pais e cinco irmãos no norte do Brasil, em Roraima. Eles sempre passaram dificuldades, porém tinham união, paz e eram gratos. Viviam felizes mesmo trabalhando sob o sol forte todos os dias e comendo marmita fria sob um pé de jatobá, no qual se refrescavam do calor ardente. Mari, com quinze anos sempre ia a uma nascente a um quilômetro dali para pegar água fresca para matarem a sede.
Ela adorava ir lá só, pois assim podia ficar com seus pensamentos, sonhando com uma vida que não tinha, com uma adolescência igual a de outras garotas da sua idade, que ela assistia pela TV. Ela estudava pela manhã, sua escola era muito fraca no sentido educacional, mas era o que ela tinha e se esforçava, dedicava-se aos estudos quando chegava em casa após ajudar sua mãe a fazer as tarefas domésticas, cozinhar...
Quando acabou seus estudos aos dezessete anos decidiu mudar-se para uma cidade maior, ter mais oportunidades, ser empregada doméstica e dormir no serviço, assim economizaria com aluguel. Uma parte do salário mandaria para os pais e com a outra parte pagaria um cursinho para fazer vestibular e pagar transporte, sonhava em fazer faculdade e ser uma professora. Sonhava em ensinar àquelas crianças o que sabia, queria que elas tivessem uma vida melhor e lutassem por isso, acreditassem que eles poderiam fazer qualquer coisa, porém com honestidade e humildade. Ela conseguiu um trabalho através de sua professora Rita, que tinha parentes em Boa Vista, na capital, no qual a contrataram imediatamente, pois gostaram dela e concordaram que ela sairia todas as noites para ir estudar. Eles lhe deram as  cópias das chaves de casa, regras e horários das refeições.
Ela no dia seguinte conseguiu uma folga pela manhã para fazer o que precisasse, como: se inscrever para o cursinho, cortar o cabelo, fazer as unhas das mãos e pés, pois onde morou não existia esse tipo de coisa, mas na cidade grande não queria se sentir envergonhada perante os colegas e professores. Era uma jovem muito bonita e educada, tímida, dedicava-se ao estudo quando chegava do cursinho a meia- noite, pois vinha para casa de ônibus. Ela era tratada quase como uma filha, mas com obrigações domésticas. Sua rotina passou a ser trabalhar até às 5  e meia da tarde, ir para o cursinho que começava as sete, sair de lá às onze, pegar um ônibus, chegar em casa a meia noite e estudar só dormindo três horas por noite, pois só conseguia pegar no sono lá pelas três da madrugada. Essa rotina permaneceu por anos, pois após o cursinho ela conseguiu passar no vestibular para faculdade de letras e formou quatro anos depois. Na faculdade  no quarto período ela conheceu Pablo, um negro bonito; alto, olhos castanhos, cabeça raspada, forte, simpático, com um sorriso de tão branco que deixava  todas as mulheres hipnotizadas; inteligente e assim como ela, dedicado aos seus objetivos. Começaram a namorar e assim, um ajudava o outro. Logo que se formaram resolveram ficar noivos, pois assim que os estágios deles acabaram, ambos foram contratados- ela por uma escola primária e ele por uma do ensino fundamental e médio, embora fosse ensinar apenas para o médio.
Um ano após eles se casaram, no qual,os patrões de Mari dá  a casa onde ela trabalhou foram seus padrinhos de casamento, como forma de agradececimento por tudo que fizeram por ela.
Mari e Pablo foram morar em sua casa que conquistaram após economizarem durante o noivado e as casas no norte não serem tão caras como no restante do país.
Nas férias eles foram visitar seus pais, pois no casamento eles não tiveram condições de ir. Os pais de Pablo moravam também no interior, a 200 quilômetros da cidade dos pais de Mari. Foi uma felicidade enorme quando se reuniram, tanto na casa dos pais dela, quanto na casa dos pais dele.
O casal se amava muito e a realização do sonho deles de ensinarem completava tudo isso,apesar dos desafios diários de educadores numa região que praticamente não recebe os incentivos do governo, se compararmos as regiões principais, sul e sudeste.
Eles descobriram que não poderiam ter filhos, foi uma tristeza para ambos, mas também não poderiam pagar por um tratamento tão caro, pois eram professores públicos do estado e não ganhavam tão bem. Eles então foram ao cartório afim de adotar uma criança, pois pretendiam ser uma família. O processo é longo e burocrático e quando foram ao orfanato da cidade viram muitas crianças, mas apenas Luan chamou atenção do coração deles, um menino de quatro anos, moreno, magro, pequeno, alegre, sem um dos braços por má formação, esperto, falava muito e não parava um minuto. Eles não tiveram dúvidas de que queriam aquele menino e o processo de adoção começou, duas semanas depois eles conseguiram levá-lo para passar uns dias em sua casa, depois passou a ser meses, a assistente social sempre a fazer visitas para ver a adaptação da criança, mas tudo parecia estar perfeito até que conseguiram a adoção de Luan, ainda que não permanente, mas provisória e isto lhes dava muita alegria, pois já amavam o menino como um filho.
Ele frequentava a creche enquanto os dois trabalhavam, quando Pablo ia buscá-lo dava banho, o trocava, adiantava o jantar para ajudar Mari e para o menino não comer tão tarde, brincava com ele até a mãe chegar,terminar o jantar, dar-lhe comida, ensiná-lo a ler, contar uma estória para ele e po-lo para dormir às 8:30 da noite, pois liam muito sobre como é importante uma criança dormir muito e bem para ajuda-lo a crescer saudável. Eram como quaisquer pais; o educavam, davam amor, carinho, limites, uma família, um lar e avós que o amavam depois de ve-lo, pois antes os criticavam. Como pode, tanto bebê aí bonito e "perfeito" e vocês escolheram um já grande e aleijado?Quando o viram tudo mudou. Foi paixão instantânea, tanto dos avós, quanto dos tios e primos. Eles viram que amor não vê aparência, gênero, cor, apenas se sente e vive.

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