domingo, 25 de outubro de 2020

SOPHIA


Sophia andava cabisbaixa; um pouco descuidada; se sentindo mal consigo mesma, insegura, com a autoconfiança abalada pelos rapazes que tem encontrado no seu caminho. Ela estava desacreditada de si mesma e dos homens, que eram iguais no jeito cafajeste e machista;  sempre pensava e dizia que eram todos iguais. No seu último relacionamento mais duradouro ela sofreu muito por traições e humilhações. Ela trabalha com e-commerce, mas se sentia tão deprimida que seu trabalho não rendia como antes, e a procura por seus produtos reduziu bastante. Sô vendia roupas íntimas belíssimas; no entanto, não se sentia disposta a pegar umas para si mesma, e se sentir sexy. 

Um dia sua melhor amiga Analiz foi a sua casa chamá-la para sair e ajudou-a a escolher uma roupa que destacasse sua beleza. Sophia não queria ir, pois não se sentia no clima. Entretanto, depois que sua amiga a maquiou e se arrumou, ela se sentiu um mulherão e tirou uma foto com a amiga: “Prontas para celebrarmos a vida aproveitando muito” e postou. Elas tiveram muitas curtidas e comentários. As duas saíram, beberam um pouco, dançaram muito. Aquela garota se sentia feliz e viva novamente.

No dia seguinte ela acordou com uma leve ressaca, pois apesar de ter bebido pouco, não tinha costume com tequila ou whisky; e as pernas estavam doloridas de tanto dançar, mas se sentia mais animada. 

Analiz a convidou para entrar em um curso com ela, contando que teria um grupo para compartilharem coisas do curso sobre autoconhecimento, amor próprio e experiências de vida. Sô achou aquilo besteira, uma tremenda perda de tempo, portanto pediu para pensar.

Ela ligou para a amiga já tarde daquela mesma noite na casa do namorado com olhos inchados de tanto chorar, a voz estava entrecortada por soluços e se sentindo um lixo. A verdade é que ela sentiu que precisava mudar suas atitudes, pois estava cansada de se sentir daquele jeito. Sophia queria ser uma nova mulher e decidiu entrar no curso com a amiga. Seria bom contar uma com a outra, ter alguém para se apoiar,além do grupo. Analiz ficou muito feliz com a decisão de Sô e iniciaram um novo ciclo em suas vidas.

As aulas com áudios, vídeos e tarefas foram acontecendo. Enquanto isto Sophia caía em lágrimas para desafogar tudo o que estava preso dentro dela há muito tempo, e foi mudando com o passar dos dias. Ela foi se redescobrindo, conhecendo a mulher que estava ali escondida e viu que pode fazer tudo o que quiser e ser quem ela quiser.

Aquela mulher começou a mudar de dentro pra fora e as pessoas começaram a notar a diferença. Analiz também teve uma notável mudança. As duas resolveram ir às compras para ressignificarem suas vidas; enfim, resolveram cuidar de si mesmas.

 A autoestima delas estava no auge. No entanto, elas sabiam que se amar e se cuidar é um processo diário; e que recaídas são normais, mas é um dia de cada vez.

 Sophia veio de uma cidade do interior de São Paulo e bem pequena, com pouquíssima possibilidade de crescimento pessoal e profissional. Ela tem um irmão mais velho e seus pais já eram aposentados. Sophia não sabia se a causa era a diferença de gerações, pensamentos, mas ela não conseguia se sentir próxima deles, por mais que quisesse. Era como um bloqueio invisível entre eles. Com seu irmão também não havia proximidade como ela desejava; então se sentia um estranho no ninho. O irmão se achava o mais esperto, e como homem tinha direito a tudo; era a copia de seu pai na questão machismo, inclusive no modo bruto e sistemático. Eles foram contra a decisão dela de se mudar para uma cidade maior e com mais oportunidades de crescimento. No entanto, aquela menina era uma mulher agora e sabia o que queria. Determinação era o seu sobrenome. Ela os amava e sabia que sua vida seria bem difícil no começo, longe de todos e de tudo que estava acostumada, mas precisava sair dali, pois se sentia muitas vezes sufocada por uma vida que não queria para si. Sophia gostava da cidade; das pessoas com quem cresceu convivendo, e já tinha trabalhado como vendedora em uma loja de roupas íntimas e pijamas; o que lhe proporcionou experiência e facilidade em comunicar-se, sabia o que os clientes procuram. Ela amava ler e era bem eclética quanto a suas leituras; isso provavelmente a impulsionou a mudar-se, pois ler ampliou sua mente e visão de mundo; mudou seu jeito de pensar.

No entanto, uma cidade grande tem exigências maiores do que estava habituada, e quando chegou ao seu destino ela logo começou a procurar por emprego em vários lugares, especialmente em lojas. Sô estava exausta no fim do dia, mas procurou por um quarto para alugar nos classificados, e ligou para uns números que encontrou com preço razoável. Ela achou uma pousada para dormir.

No dia seguinte ela encontrou um quarto para dormir e o alugou. Sophia tinha habilidade de convencer as pessoas a fazerem o que ela queria com seus argumentos e voz firme, que sabia do assunto. Ela também conseguiu um emprego em uma loja de roupas infantis e descobriu que precisava dedicar-se mais ali para chegar onde queria. Seu objetivo era ser gerente e conhecer os “bastidores” de uma loja para depois abrir seu próprio negócio. 

Com o passar dos meses ela passou a se destacar, causando inveja nas colegas, mas ela não ligava para aquilo, pois seu intuito era atingir seus objetivos, não de fazer amizades. Sophia não aprendeu que amizades e gentileza são mais valiosas do que dinheiro, e que muitas vezes abrem portas.

Ela se sentia sozinha quando chegava ao seu quarto com uma cama de tubo e colchão fino, uma cômoda velha para por suas roupas, microondas antigo, um tanquinho barulhento para lavar roupas e um banheiro pequeno. Ligava para sua família uma vez por semana e a conexão que já não era boa entre eles parecia diminuir a cada ligação.

Nesse tempo ela ficava com homens que conhecia na internet ou em barzinhos. Uns eram só curtidas de uma noite; outros se tornavam mais sérios, só que nunca a levavam a sério; assim como o irmão fazia com as namoradas. No entanto, quando conheceu Enrico sua vida virou de cabeça para baixo, e ao invés de fazê-la se sentir uma rainha e dominante, ele a fazia se sentir um nada. Antes de conhecê-lo ela era determinada, decidida, dedicada, mas também tinha um ar de superioridade e arrogância que afastavam as pessoas. Eles namoraram por umas semanas até chamá-la para morar com ele e ela muito apaixonada aceitou feliz da vida, mas estava cega para os defeitos dele, e fingia não ver as traições.

No trabalho ela ainda estava focada e como a dona procurava por uma gerente a promoveu, causando ainda mais conversa entre as colegas. Apesar de não ter criado amizades no trabalho ela percebeu que Analiz era boa em vendas, se dedicava. Então Sophia às vezes aumentava sua meta para Ana desafiar-se e conforme ia vencendo as metas, ela se empolgava. Nisso as duas começaram a se aproximar não só no âmbito profissional, mas também pessoal e se tornaram melhores amigas.

Assim que Sophia conheceu tudo o que precisava sobre administrar uma loja ela começou investir em roupas íntimas para vender, e fazer seu site. Ela pediu demissão e sugeriu a gerencia para sua nova amiga. Sô estava seguindo rumo ao seu real objetivo; abrir uma loja online de roupas íntimas e sensuais de jovens mulheres a senhoras, de todos os tamanhos.

A vida amorosa de Sô estava um desastre. Isso a abalou muito e começou interferir nas vendas, na sua disposição para trabalhar, e principalmente na sua autoestima. Ela não era mais a mulher confiante e decidida de antes até começar o curso.

Sophia passou a focar no seu trabalho, procurou melhorar seu site e sentia que estava realmente engajada naquilo, então os resultados com o passar dos meses começaram a melhorar. Ela percebeu que a traição sofrida não foi sua culpa, e sim falta de caráter dele. Apesar de que o curso a ajudou perceber que também teve responsabilidades para o relacionamento ter acabado. Ela ainda sente falta do cheiro e do calor do corpo daquele homem colado ao seu; então quando está prestes a mandar mensagem ela liga para Analiz, ou vai caminhar pela praça próxima a sua casa.

Um dia enquanto bebia um suco refrescante de abacaxi com hortelã e ouvindo suas músicas favoritas, tocou Adoro amar você, de Daniel; a música do primeiro beijo do casal. Ela chorou por causa das lembranças, então não resistiu e mandou mensagem para ele e conversaram por quase uma hora; porém, passou o resto da noite se culpando e ligou para a amiga, que a tranquilizou.

_Calma Sô, é normal ter recaídas, ter saudade dele e mandar mensagem. Você não é de ferro. Um dia de cada vez, lembra? Logo você estará mais forte e com a autoestima mais firme para resistir e até superá-lo. Não seja tão má consigo mesma. Eu estarei sempre aqui, mas você precisa ser sua melhor amiga. Ouça os áudios ou veja os vídeos, miga. Isso vai te ajudar a se animar de novo.

_Obrigada, miga. Não sei o que seria de mim sem você. Tem razão, eu vou ouvir os áudios, me produzir para me sentir melhor e quem sabe até dê uma volta de carro para me distrair.

Ela ouviu os áudios, viu um dos vídeos sobre as conquistas que já teve na vida e se produziu, tirou varias fotos e postou: “Pronta para curtir.” Ela saiu de carro e foi tomar um açaí sozinha. Aquilo foi desafiador e libertador para ela, apesar dos olhares alheios, e Sô estava se sentindo bem melhor.

Sô passou a fazer dança de salão, sua paixão, e estava amando as aulas. Aos poucos a sua autoestima ia se fortalecendo, porque ela resolveu olhar para si mesma; amar-se; cuidar-se e estava se sentindo uma mulher linda e interessante como antes.

No entanto ela precisava resolver algumas coisas para se sentir realmente uma nova versão dela mesma.

Sô saiu da casa de Arnaldo, que a humilhava e a traía. Uma casa na qual passava a maior parte do tempo sozinha, de onde ligava para a amiga chorando e se sentindo péssima. Ela na verdade se sentia muito só, como se fosse solteira sem ele ali.

Aquela mulher cansou de passar por tudo aquilo, enfim seu autovalor aumentou. Então alugou uma kitnet para afastar-de dele. Ela mudou-se e seguiu seu caminho sozinha, mas feliz consigo mesma e comemorou seu feito com a amiga e duas taças de vinho. Ela deixou na casa dele tudo o que ele tinha lhe dado e apagou todas as músicas que a faziam lembrar-se dele. Sô fez uma limpeza interior.

Ela ainda precisava resolver outro problema que a inquietava. Sô partiu para a casa onde nasceu, pois sentia que necessitava recuperar o pouco vínculo que tinha com sua família e tentar se aproximar mais deles.

Quando chegou na antiga casa onde viveu por vinte e dois anos era como se nunca tivesse morado ali, e tudo parecia tão estranho. O quarto onde dormia foi transformado em "quarto da bagunça,"portanto, ela iria dormir no sofá.

 A aproximação não foi fácil, e ela precisou se desculpar por nunca ter voltado ali desde que se mudou, mesmo tendo uma distância de apenas trezentos quilômetros, já que não era a distância física que a manteve longe dali, mas sentir-se longe deles no coração; pediu perdão por não ter mantido tanto contato e que estava ali para resgatar um vínculo que mal tinham e também se desculpou por ter ido embora contra a vontade deles, mas seu futuro não estava naquela cidade. Ela disse que queria ter uma família de verdade; daquela que conversa a mesa sobre as coisas do dia, da vida; que eles eram uma família e precisavam ser unidos.

_Mãe, eu te perdoo por nunca ter me dito que me amava ou não ter me abraçado com carinho. Espero que a gente consiga se aproximar como mãe e filha, antes que seja tarde. Eu sei que você também não teve isso, mas podemos mudar nossa relação. 

Então Sô correu e abraçou sua mãe que surpresa não teve nenhuma reação, mas logo a abraçou e choraram. 

_Pai, me perdoa se te decepcionei por ter ido embora contra sua vontade. Eu te amo e te respeito, admiro muito. 

Ela então o abraçou e ele ficou travado, pois não era acostumado esse tipo de carinho e a abraçou em um abraço frouxo sem dizer uma palavra.

Ela percebeu que o vínculo com ele seria mais difícil. Era preciso paciência, mas não desistiria.

_Tony, eu sei que nosso pai é seu exemplo,seu herói, mas você não precisa seguir a risca, você pode ser melhor. Você é novo pra ser tão grosseiro e sistemático,mas eu te amo independente. Eu só quero o melhor pra você, quero ser mais próxima,quero ser sua amiga.

 Ela o abraçou forte e ele a abraçou na mesma intensidade e deu-lhe um beijo na cabeça e disse que apesar de serem tão diferentes, ele também a amava. 

Ela estava feliz pelo progresso que fizeram, mas sabia que essa proximidade não acontece da noite para o dia e voltaria mais vezes para vê-los e se unirem mais.

Seu ex-namorado percebeu que ela estava diferente e passou a visualizar o que ela postava sem dizer nada, pois quando chegou a sua casa e não a viu, nem nada dela ali, seu ego fê-lo procurá-la. Aquilo passou a incomodá-la e decidiu bloqueá-lo em suas redes sociais, bloqueou e apagou seu número no telefone.

 Não o queria em sua vida, mas era grata pelos bons momentos que passaram juntos e pela lição que tirou: Não era melhor que ninguém e passou a tratar melhor as pessoas; e não aceitaria ser tratada como foi, só merecia o melhor.

 Ela sentiu orgulho de si mesma e um sorriso apareceu em seu rosto, pois uns meses atrás ela teria fantasiado que ele ainda gostava dela e que poderiam voltar, mas agora é só o ego dele falando mais alto. Sophia não é mais a pessoa que era antes, e se sentia feliz por isso.

O seu parceiro de dança, Eustaquio; um rapaz gentil; gato; engraçado; um bom dançarino e colecionava selos, daqueles temáticos de aves, etc. E um dia mostrou-lhe quando a chamou para sair. Ela ficou surpresa e encantada, pois nem sabia que as pessoas ainda colecionam coisas, ainda mais sendo tão jovem. Eles começaram a passar mais tempo juntos além do curso de dança, porém ela não queria compromisso sério e foi sincera com ele, porque precisava de um tempo para si mesma antes de se envolver com alguém.

_Eu entendo linda, pois eu também não quero me envolver com ninguém agora.

Eles então se beijaram e tiveram uma deliciosa noite.

Os ritmos preferidos dela são o tango, forró e a salsa, mas já sabe dançar bem quase todos os ritmos que vem aprendendo. Outra habilidade que Sophia aprendeu sobre si mesma; dançar.

Ela estava se sentindo realizada, pois passou a se amar de verdade; seu trabalho estava dando o lucro esperado, dançava e se exercitava ao mesmo tempo, o que a deixava com um lindo corpo; e ficando com um cara bacana. Sua amiga estava indo tão bem quanto ela e curtiam plenas as baladas.

Sophia e Analiz tiraram uma bela lição disso: Vale muito a pena investir em si mesma e amar-se primeiramente antes de tudo.

 

 

 

 

quarta-feira, 14 de outubro de 2020

INGENUIDADE

 Hoje me sinto em suspenso. 

E não é sentimento de felicidade.

Um misto de culpa, de raiva por tamanha ingenuidade.

Às vezes é difícil descrever nossos próprios sentimentos.

Quero ser mais esperta.

Ser ingênua só me põe em enrascada.

Eu sei que essa sou eu, ingênua, amigável, que gosta de deixar as pessoas bem.

Preciso ser melhor sem mudar a essência. 

Como fazer isso?

Ao mesmo tempo que não paro de pensar nos detalhes de tudo;

Sou grata a Deus por não ser boba demais.

Na vida tudo te deixa uma lição. 

E se for um pouco esperto nunca mais  cometerá o mesmo erro.

Passando a me amar, me aceitar como sou e aprendendo que cada erro que cometo é um aprendizado. 

Não sou perfeita nem preciso ser.

Tenho qualidades e defeitos, assim como você.

A ingenuidade faz parte do que sou.

Já não sei se é qualidade ou defeito.

As coisas simplesmente são como devem ser.

sábado, 10 de outubro de 2020

Mundos de Wesley


MUNDOS DE WESLEY

 

Eu sou Wesley e moro em Manaus. Trabalho como qualquer um, mas quando preciso descansar a mente, esquecer dos problemas eu vou para a floresta. 

Eu sou filho e neto de índios, então meus avós me ensinaram a andar no meio daquelas árvores; daquela vegetação fechada e que quase não dá para ver a luz do sol; me ensinaram sobre ervas que curam, como usá-las e quais devo me manter longe; aprendi como me defender de animais e como sobreviver sozinho no meio da mata.

 Meus pais morreram de febre amarela  logo que chegamos à cidade. Foi muito difícil e tive que aprender a língua daquelas pessoas tão diferentes no idioma, cultura, pois só sabia a língua da tribo. Sofri muito e fui bastante discriminado até conseguir entrar naquele novo mundo para mim,  conseguir confiar e conquistar a confiança de um novo povo era um desafio. Era como se eu estivesse me preparando para o que viria.

Em um feriado prolongado decidi ir para a floresta ver meus avós, a tribo e passear na floresta. O pessoal da tribo, especialmente meus avós, o cacique e a curandeira ficaram muito felizes em me ver.

 Caminhando, me desviando dos galhos, cuidando para não ser picado por cobras, aranhas ou outros insetos eu adentrava a mata com a tranquilidade de quem conhecia tudo com a palma da mão, até encontrar uma árvore diferente, com tronco grosso, de um marrom acinzentado, folhas  de  um verde esmeralda e  bem pequenas, umas frutas vermelhas que lembravam uma maçã, e parecem ser tão suculentas que com a luz do sol cintilam e me seduzem para prová-las  co. Eu pego e dou uma mordida, é mesmo muito suculenta e de um sabor agridoce que me deixa em êxtase, a ponto de sair dali e "viajar" para outro mundo.

Um lugar em que tudo parece conto de fadas, com gnomos de orelhas grandes e pontudas construindo casas, elas eram todas coloridas; outros trabalhavam maravilhosos jardins plantando flores de todos os tipos, com tamanhos, cores diferentes e me mostravam como a diversidade é bonita. As mulheres ficavam com seus vestidos de camponesas sentadas a porta de suas casas e se abanando com leques enquanto conversavam entre si. Crianças brincavam felizes na rua, que mais parecia um calçadão, pois ali não havia outros meios de transporte além de caminhar. Era tudo tão em paz, mas havia tanta vida através das inúmeras cores. Não havia calçada, era tudo um piso dourado como ouro, tudo era impecavelmente limpos, bem cuidado. As vozes eram suaves, ninguém dava gargalhada alta ou gritava. Os animais passeavam livremente, os pássaros voavam com uma liberdade que eu não tinha visto, exceto na floresta. Eu me imaginei se conseguiria morar ali, tenho minhas dúvidas, aquilo logo me deixaria entediado. Será que tudo deveria ser daquele jeito e estávamos vivendo de maneira errada? Eu refleti sobre isso. Eu perguntei a uma senhora se eles não tinham problemas ali, pois tudo parecia tão perfeito. Ela me olhou com um sorriso acolhedor já sem dentes e disse que todos têm problema, mas eles se ajudavam e logo era resolvido. Eles não pareciam se estressar, ficar nervosos com nada.  Eu conversei com uns gnomos que trabalhavam e cantarolavam alegremente. 

Imaginava que tinha passado um longo tempo ali, mas quando de repente voltei a floresta  parecia que não tinha passado nem uma hora ali. E voltei para a tribo me sentindo diferente, como se eu fosse outra pessoa, porém no mesmo corpo de sempre.

No outro dia parecia que tudo se repetia, menos o local onde fui parar.

Eu chego a um castelo medieval, onde as roupas e fala das pessoas pareciam com os filmes que eu já tinha assistido; eu estava ali ou achava que estava. Era tudo muito real. Uma mulher de cabelo claro, olhos de uma cor lilás chega até mim e me pergunta o que faço ali, que o rei me procurava. Era como se eu já fizesse parte daquilo por anos, mas não conhecia ninguém. Eu a segui até o rei, ela também era uma súdita e me disse no caminho que se chamava Joana e a sua função no castelo era ver se os outros estavam fazendo tudo certo. O rei brigou comigo. "Onde estava?eu te procurei por toda manhã. Preciso que sele o meu cavalo. Quero dar um passeio." Pedi perdão pela ausência, e segui a procura de um cavalo que não sabia qual era. Joanna me mostrou o cavalo, embora ela parecesse estranhar de eu não ter reconhecido o bendito cavalo. Eu o selei e avisei ao rei que estava tudo pronto para seu passeio. 

Algum tempo depois...

Eu precisei vestir a armadura para enfrentar um monte de guerreiros adversários que resolveram invadir o reino. Confesso que um pavor tomou conta de mim, pois nunca havia lutado com ninguém ou usado espada;  muito menos fazendo parte de uma tropa de guerreiros medievais lutando pra proteger o reino. Eu não sabia montar direito, então acabei caindo e rolando pela pequena colina, e felizmente não cheguei a me machucar muito.  Assim que parei de descê-la, eu já me encontrava na floresta mais uma vez, mas a verdade era que eu queria ver Joana de novo. Agora não sei como voltar lá.

Passei dois dias sem comer a fruta e refleti muito sobre como eu voltaria àquele mundo e como trazê-la para a minha realidade. Eu estava dividido; e se eu a trouxer para cá, mas ela não gostar e quiser voltar para o mundo em que conhece?Como faço agora? Devo ir para lá e ficar para sempre?

Minha avò chegou a mim e perguntou o que estava acontecendo, pois eu estava mais centrado, menos ansioso, mais sorridente, gentil e prestativo. Eu fingi que estava ofendido, mas no fundo eu sabia que estava certa. Eu costumava ser egoísta e ansioso demais, muito sério. A verdade era que eu só esperava que fizessem tudo por mim e para mim, entretanto, o contrario nunca acontecia.

Eu desconversei e sai de perto.

Então voltei à floresta, mas eu não queria ir para outro mundo, só iria por a cabeça no lugar. Um longo tempo se passou e acabei adormecendo embaixo de uma árvore qualquer; quando dei por mim eu estava em um rancho com alguns cavalos de inúmeras raças diferentes. Eu me olhei assustado e pensando como tinha ido parar ali, já que não tinha comido a fruta. Um homem de barba me chamou pelo nome, como eu já trabalhasse ali e me pediu para colocar água, comida e para escovar os que estavam no estábulo. Eu entrei desconfiado, pois nunca tinha feito isso antes, e se me mordessem ou me dessem coice?Nenhum fez nada comigo e consegui cuidar deles. Um estava agitado e pedi ajuda, mas um dos homens que cuidava deles disse que o cavalo gosta de passear todos os dias naquele horário. Sai o puxando, no entanto o cara na hora que me viu disse: parece que nunca andou em um cavalo, deixa de ser medroso, sele e monte nele, cavalgue até ver que ele está cansando, e então volte. No começo foi difícil, eu nunca tinha montado e tive medo de cair, mas no meio do caminho eu já cavalgava como um bom cavaleiro. Eu senti um profundo orgulho de mim mesmo cavalgando daquela forma e passeamos muito. Voltamos, pois Wenk estava cansado, então o cobri com a manta para não se sujar; limpei o estábulo e fui tomar um banho, apareço de repente nu na floresta. E agora?Como chegarei assim na tribo? Minha vò me dará um grande sermão. Eu resolvi dormir no meio da floresta, porém esfriou demais, então peguei umas folhas de taioba e improvisei uma roupa. Felizmente quando cheguei lá todos já tinham ido dormir e descansar para o dia seguinte. Entrei na minha oca de palha, vesti uma roupa decente e dormi me perguntando o que estava acontecendo comigo. Uma viagem surreal, enigmática como todas as outras.

No dia seguinte eu voltei à floresta e lá eu fechei os olhos desejando muito encontrar Joana, eu pensei , será que funciona?E não funcionou; portanto, eu comi a fruta e fiquei muito feliz quando me deparei com Joana depois de poucos minutos. Eu queria puxá-la e levá-la embora dali comigo. Eu sentia que existia algo forte entre nós e não apenas atração. Eu e Jo conversávamos muito quando jà tínhamos feito nossos trabalhos e ela me contou sobre sua infância.

 Ela è filha de uma das súditas, Ana, a mais próxima da rainha, entretanto, a outra súdita que fingia ser amiga da mãe dela, e que no fundo sentia profunda inveja da proximidade daquela mulher com a rainha Mari; acabou roubando Joana e a levou para um casebre longe do reino, assim achariam que alguém de fora a tivesse roubado. Ela levava uma vida tranquila, sem sentimento algum de culpa. A mãe de Joana contou à rainha o que houve aos prantos. Mari mandou vasculhar todo o reino e a garotinha não foi encontrada. Ana ficou tão triste que adoeceu,visto que ela havia perdido o marido há pouco tempo por causa de um golpe de espada no peito e agora sua filha desapareceu. A pobre mulher ficava pensando o que tinha feito para merecer tanto sofrimento. No seu leito de morte, a sua falsa amiga disse-lhe próximo ao ouvido que ela havia roubado o bebê, e que Ana já tinha tudo sendo amiga da rainha, não precisava de filhos; ela sim merecia um filho que nunca poderia ter. Ela arregalou os olhos com a confissão e sem forcas para reagir faleceu sem marido e sem a filha.

Aquela megera ia ao casebre ver a menina já crescida e só deixava dois pedaços de pão e dois copos de água até o dia seguinte; no entanto, quando a menina era pequena ela a tratava como princesa e ensinou-lhe tudo que sabe hoje; enquanto isso a menina deveria deixar tudo limpo, além de costurar a roupa e fazer compotas com as frutas que trazia. Quando Joana já tinha idade suficiente para ir ao reino, ela inventou que a menina era sua sobrinha e que passaria a morar com ela, pois a mãe da garota tinha morrido. Aquela mulher a fez chamá-la agora de tia, não mais de mãe. Joana ficou confusa, mas obedeceu e sua vida continuou do mesmo jeito de antes, só que agora sua “tia” não teria que andar tanto para levar comida e água para ela às escondidas.

Quando Joana fez dezoito anos, sua “tia” contou-lhe toda a verdade, pois não lhe interessava continuar com aquela mentira; a menina havia se tornado uma pedra em seu caminho. O rei e a rainha já tinham morrido e agora quem reinava era o príncipe, o qual não conhecia a história. Desde então ela estava sozinha e precisava se virar para viver. Sua tia morreu de um mal súbito alguns dias depois que contou tudo para Joana. Aquela menina tinha um coração tão bondoso que ficou triste pela mulher, pois boa ou mà, ela que a havia criado todo aquele tempo.

Quando soube de tudo a minha vontade era colocá-la em meus braços e niná-la como se faz com um bebê; queria que se sentisse segura e em paz; mas não podia, eu então a abracei forte.  Sabia o que era se sentir sozinho, sem pai nem mãe; um garoto que precisou ser emancipado aos quinze anos, pois queria viver na cidade. E mesmo eu tendo meus avòs, nunca è a mesma coisa. Eu também lhe contei minha historia e nos abraçamos mais uma vez compartilhando a dor um do outro e chorando. Eu fiquei ainda mais apaixonado por aquela mulher e ela por mim.

Eu a chamei para ir embora dali e viver uma nova história:

_Joana, vem comigo, vamos viver nosso amor longe daqui, venha conhecer meu mundo.

Ela me olhou como se fosse louco, e até parecia que eu estava, mas eu a amava e a queria comigo.

Eu a beijei na esperança de que sumíssemos dali juntos, mas nada aconteceu. Os lábios mais delicados e suaves que já havia beijado.

Ela me afastou e me chamou de louco e disse que se eu realmente a amasse, que ficasse ali com ela.

Eu tentei varias vezes voltar para meu mundo e nada. Eu tinha uma vida fora daquele mundo em que eu me encontrava, mas mal sabia eu que se beijasse alguém de outro mundo ficaria por lá. Bateu um grande desespero mesmo estando ao lado do meu amor. E agora, como faço para sair daqui?Pensei, pensei e nenhuma idéia vinha.

No outro mundo sua avò percebeu que o neto havia sumido, ela tomou um chá revelador com suas ervas misteriosas para ter alguma revelação sobre o neto. Ela sentiu uma fraqueza tão grande que desfaleceu na hora. Como em um sonho ela via o neto em um castelo, com roupas estranhas e uma jovem loira, delicada e de olhos de cor lilás, ela os viu se beijando e ouviu uma voz profunda dizer-lhe: ele comeu uma fruta (mostrou a fruta vermelha), ele agora só sai de lá por seu intermédio. Você precisará fazer um feitiço contrário. Eu te direi o que deve fazer e cada socada no pilão que der para transformar tudo em pó, mais ele se afastará daquele mundo, só tem um problema; ele está apaixonado por aquela garota e ela não pode vir pra cá. Se ele decidir ficar lá, nunca mais conseguirá voltar, e se decidir voltar, nunca mais encontrará a garota. Agora acorde e faca o feitiço. Sua avò acordou e começou a pegar lascas do tronco da árvore da fruta mágica, sementes de frutas como tucumã, buriti, e também grãos. Ela pegou várias coisas e colocou no pilão, com o qual começou a socar, socar e socar.

Enquanto isso, no mundo estranho

Que estranho, estou sentindo que sou puxado por uma forca tão grande que não consigo descrever, ele pensou...  Sinto-me sendo puxado para trás. E Joana me perguntando aonde eu ia, se não a amava mais.

_Wesley, decida, você quer ficar comigo ou quer ir? Sinto você angustiado ficando aqui. Se for, nunca mais me procure.

Eu pensei rápido e decidi ir embora. Aquilo tudo não tinha a ver comigo, mesmo eu a amando.

_Espero que me perdoe meu amor. Eu sempre te amarei, mas não pertenço a este mundo.

Eu fui embora dali com lágrimas nos olhos. Ela virou de costas para mim, e percebi que chorava.

 E fui puxado para meu mundo de um modo abrupto. Cheguei fraco e no chão próximo da minha avò que me abraçou.

 _Você está de volta meu neto, que bom. Aqueles mundos estão com portões fechados para você agora.

Nunca mais eu voltei à floresta nem a ver a minha Jo. Agora è seguir minha vida. Foi uma estranha, mas indescritível aventura que me transformou em outro homem.

 

 

 

 

 

 

DIA DIFÍCIL

 Hoje está tão difícil.  Só queria desaparecer, evaporar como fumaça, e parar de dar trabalho. E ao mesmo tempo eu me sinto tão egoísta.  Te...