Valéria
é uma mulher como muitas, que escolheu se dedicar à família, aos
cuidados com a casa.
Depois
de vinte e cinco anos casada com Mário, ela se sentia cansada
daquela mesma rotina de cuidar de tudo, e sem reconhecimento como uma
pessoa que trabalha tanto, sem direito às férias.
Os
filhos já estavam criados e saíram de casa há algum tempo: Armando
foi estudar fora da cidade; e Luísa, a mais velha, também saiu
porque queria ser independente e trabalhar numa cidade maior, com
mais oportunidades.
Embora
a casa agora estivesse vazia, só morando ela e o marido, Valéria
não parava de se preocupar se as suas “crianças” estavam se
cuidando direito.
Val
não se arrependeu de sua escolha pelo lar, e por cuidar da família,
estar mais presente na vida deles; no entanto, ela se pergunta muitas
vezes como seria sua vida se ela tivesse feito outras escolhas.
E
se eu tivesse estudado mais e investido em uma carreira?
Será
que eu iria querer formar uma família como a que tenho hoje?
Se
eu trabalhasse hoje, Mário me valorizaria mais, e teríamos coisas
interessantes pra conversar?
Ela
se perdia em pensamentos imaginando o que gostaria de fazer.
Na
verdade, Val percebeu que precisava fazer algo para si mesma, um
curso por exemplo; já que arrumar trabalho seria pouco provável,
ela não tem mais 20 anos, nem tem experiência profissional.
Ela
sempre gostou muito de roupa, de costura. Valéria é uma mulher
muito paciente e detalhista, então pesquisou uns lugares na cidade
onde dava este tipo de curso mais em conta, e assim que encontrou,
ela se inscreveu. Seria bom, pois além de aprender algo novo, ela
teria um tempo pra si mesma e faria novas amizades.
Valéria
estava feliz e animada pelo passo que tinha dado para sair do tédio
que estava sua vida. Mário, no entanto, não a incentivou, ao
contrário, além de reclamar do valor da inscrição, que incluía
apostilas e materiais, seu marido não acreditava que iria durar e
lhe dizia isso de forma rude. Isso a magoava, mas Val persistiu e
começou a fazer o curso. Foi mais difícil do que ela pensava,
mas começou a vê-lo como um desafio a vencer e continuou se
dedicando. Ela aprendeu sobre moldes, modelagens, corte, tecidos, e
costurar. Entretanto, ela precisava treinar em casa e foi isso
que fez. Pelo menos três vezes na semana ia à casa de sua mãe para
vê-la, e treinava na máquina de costura antiga por umas duas
horas.
Na
verdade, não estava sendo nada fácil lidar com os trabalhos
na casa, fazer comida todos os dias, e ainda ir para o curso,
treinar, e olha que nem tinha mais filho pequeno, ou adolescente para
cuidar. Ela passou a admirar as mulheres com jornada até tripla,
porém, não perdia a admiração pelas mulheres que fizeram a mesma
escolha que ela, ser mãe, esposa e dona do lar.
Tarefa
tão árdua quanto de quem trabalha fora.
Val
conheceu no curso, sua nova amiga, Francisca.
Uma
mulher um pouquinho mais velha, porém, com uma alegria de viver
contagiante, um brilho no olhar que não via no espelho. Ela
transmite uma energia tão boa, que é impossível não querer sua
companhia. Uma risada que chama atenção aonde quer que vá.
France, como a chamam, é a mulher mais sincera e autêntica que Val
conheceu nos últimos anos.
Elas
saem juntas, compram tecidos para treinarem, ora na casa da mãe de
Val, ora na casa de France, que tem mais máquinas. Elas têm
se tornado as melhores da turma, as mais dedicadas. O marido de
France é representante comercial, então passa a semana viajando, e
para não se sentir solitária, ela acabou entrando no curso de
costura, e na hidroginástica. France nunca foi ligada a tarefas
domésticas, trabalhou como secretária de um executivo até
aposentar e logo foi curtir um pouco a vida. Ela sempre diz a Val:_
amiga, eu respeito sua decisão de ser dona de casa, mãe, esposa,
mas são três coisas que nunca nos valorizam como merecemos, então
eu nunca fui adepta a isso, contratei uma faxineira três vezes por
semana pra ir à minha casa, faz a comida e arruma a casa, lava a
roupa, depois a gente, ou melhor, eu administro a compra de mercado,
e cuido pra não sujar, lavo louça; só a parte mais tranquila.
Quando eu soube que não teríamos filho foi uma dor insuportável
não poder ser mãe; sem falar nas cobranças das pessoas sobre
quando eu ia ter filho, de uma insensibilidade que me machucava. Eu
no começo do casamento acariciava a barriga, contava minhas
histórias de infância favoritas, cantava cantigas de ninar, lógico,
quando estava sozinha, senão teriam me internado (ela caiu na
risada). No entanto, eu precisava fingir que estava tudo bem, por
causa de João, pois eu não podia fazê-lo sentir pior do que já
estava. Eu me sentia culpada, mesmo o problema não sendo comigo, mas
sabe como é mulher, né? Nós temos o costume de nos culparmos
até pelo que não temos culpa.
Enfim,
eu comecei a analisar os prós e os contras de adotar um filho, de
ser mãe, mesmo naquela época e conversei com João, então
decidimos seguir nossas vidas apenas como um casal, afinal, eu
vejo tantos casais que fazem isso e sāo felizes. Por que não
podemos? Ele confia em mim, e eu nele, não ficamos cobrando um ao
outro, somos livres, e ao mesmo tempo presos um ao outro pelos
sentimentos que compartilhamos. Claro que discutimos às vezes,
como qualquer casal, mas sempre dormimos na mesma cama, e no outro
dia não saímos dela enquanto não colocamos os pingos nos is e
fazemos as pazes. E que pazes, amiga. Ui! (France deu sua gargalhada)
France
passou a ser um exemplo pra Val, e esta também sentia um pouco de
inveja da amiga, tanto no tipo de relação que leva com o marido,
quanto na alegria, no jeito leve de viver.
Val
foi mudando dia a dia, não é nada fácil pra ela, no sentido de
levar a vida de um jeito mais leve, sem cobrar tanto o Mário,
confiando.
Ele
começou a sentir a mudança dela e passou a gostar disso. Ele tentou
imitá-la, passou a fazer as coisas em casa, sem ela precisar pedir n
vezes. A relação deles tem melhorado bastante. Eles começaram
a sair de mãos dadas, ou ambos saem com seus amigos, seja juntos ou
a lugares diferentes.
Valéria
continua uma esposa, dona de casa, mãe, todas em uma, com a mesma
dedicação, mas ela percebeu que pode ser mais que isso. Ela se vê
como uma mulher com uma nova perspectiva sobre tudo, e fazendo o que
gosta. Hoje ela faz roupa para si, para a família e ainda dá
presente para algumas conhecidas, já que leva mais jeito para roupas
femininas.
Assim
como Val, tem milhões de mulheres na mesma situação; ou que ainda
não descobriram algo que as faça se sentirem bem consigo mesmas,
mudando de dentro pra fora e fazendo os outros ao seu redor mudarem
também. Outras sabem, mas não têm a coragem de dar o primeiro
passo, sair de onde está é mais difícil do que imaginamos. Espero
que um dia tenham a coragem de Val e voem. Você pode!