quarta-feira, 13 de setembro de 2023

VALÉRIA


 Valéria é uma mulher como muitas, que escolheu se dedicar à família, aos cuidados com a casa.

Depois de vinte e cinco anos casada com Mário, ela se sentia cansada daquela mesma rotina de cuidar de tudo, e sem reconhecimento como uma pessoa que trabalha tanto, sem direito às férias.

Os filhos já estavam criados e saíram de casa há algum tempo: Armando foi estudar fora da cidade; e Luísa, a mais velha, também saiu porque queria ser independente e trabalhar numa cidade maior, com mais oportunidades. 

Embora a casa agora estivesse vazia, só morando ela e o marido, Valéria não parava de se preocupar se as suas “crianças” estavam se cuidando direito.

Val não se arrependeu de sua escolha pelo lar, e por cuidar da família, estar mais presente na vida deles; no entanto, ela se pergunta muitas vezes como seria sua vida se ela tivesse feito outras escolhas. 

E se eu tivesse estudado mais e investido em uma carreira?

Será que eu iria querer formar uma família como a que tenho hoje? 

Se eu trabalhasse hoje, Mário me valorizaria mais, e teríamos coisas interessantes pra conversar?

Ela se perdia em pensamentos imaginando o que gostaria de fazer.

Na verdade, Val percebeu que precisava fazer algo para si mesma, um curso por exemplo; já que arrumar trabalho seria pouco provável, ela não tem mais 20 anos, nem tem experiência profissional.

Ela sempre gostou muito de roupa, de costura. Valéria é uma mulher muito paciente e detalhista, então pesquisou uns lugares na cidade onde dava este tipo de curso mais em conta, e assim que encontrou, ela se inscreveu. Seria bom, pois além de aprender algo novo, ela teria um tempo pra si mesma e faria novas amizades. 

Valéria estava feliz e animada pelo passo que tinha dado para sair do tédio que estava sua vida. Mário, no entanto,  não a incentivou, ao contrário, além de reclamar do valor da inscrição, que incluía apostilas e materiais, seu marido não acreditava que iria durar e lhe dizia isso de forma rude. Isso a magoava, mas Val persistiu e começou a fazer o curso.  Foi mais difícil do que ela pensava, mas começou a vê-lo como um desafio a vencer e continuou se dedicando. Ela aprendeu sobre moldes, modelagens, corte, tecidos, e costurar.  Entretanto, ela precisava treinar em casa e foi isso que fez. Pelo menos três vezes na semana ia à casa de sua mãe para vê-la, e treinava na máquina de costura antiga por umas duas horas.  

Na verdade, não estava sendo  nada fácil lidar com os trabalhos na casa, fazer comida todos os dias,  e ainda ir para o curso, treinar, e olha que nem tinha mais filho pequeno, ou adolescente para cuidar. Ela passou a admirar as mulheres com jornada até tripla, porém, não perdia a admiração pelas mulheres que fizeram a mesma escolha que ela, ser mãe, esposa e dona do lar.

Tarefa tão árdua quanto de quem trabalha fora. 

Val conheceu no curso, sua nova amiga, Francisca.

 Uma mulher um pouquinho mais velha, porém, com uma alegria de viver contagiante, um brilho no olhar que não via no espelho. Ela transmite uma energia tão boa, que é impossível não querer sua companhia.  Uma risada que chama atenção aonde quer que vá. France, como a chamam, é a mulher mais sincera e autêntica que Val conheceu nos últimos anos. 

Elas saem juntas, compram tecidos para treinarem, ora na casa da mãe de Val, ora na casa de France, que tem mais máquinas.  Elas têm se tornado as melhores da turma, as mais dedicadas. O marido de France é representante comercial, então passa a semana viajando, e para não se sentir solitária, ela acabou entrando no curso de costura, e na hidroginástica. France nunca foi ligada a tarefas domésticas, trabalhou como secretária de um executivo até aposentar e logo foi curtir um pouco a vida. Ela sempre diz a Val:_ amiga, eu respeito sua decisão de ser dona de casa, mãe, esposa, mas são três coisas que nunca nos valorizam como merecemos, então eu nunca fui adepta a isso, contratei uma faxineira três vezes por semana pra ir à minha casa, faz a comida e arruma a casa, lava a roupa, depois a gente, ou melhor, eu administro a compra de mercado, e cuido pra não sujar, lavo louça; só a parte mais tranquila. Quando eu soube que não teríamos filho foi uma dor insuportável não poder ser mãe; sem falar nas cobranças das pessoas sobre quando eu ia ter filho, de uma insensibilidade que me machucava. Eu no começo do casamento acariciava a barriga, contava minhas histórias de infância favoritas, cantava cantigas de ninar, lógico, quando estava sozinha, senão teriam me internado (ela caiu na risada). No entanto, eu precisava fingir que estava tudo bem, por causa de João, pois eu não podia fazê-lo sentir pior do que já estava. Eu me sentia culpada, mesmo o problema não sendo comigo, mas sabe como é mulher, né? Nós temos o costume de  nos culparmos até pelo que não temos culpa. 

Enfim, eu comecei a analisar os prós e os contras de adotar um filho, de ser mãe, mesmo naquela época e conversei com João, então decidimos  seguir nossas vidas apenas como um casal, afinal, eu vejo tantos casais que  fazem isso e sāo felizes. Por que não podemos? Ele confia em mim, e eu nele, não ficamos cobrando um ao outro, somos livres, e ao mesmo tempo presos um ao outro pelos sentimentos que compartilhamos.  Claro que discutimos às vezes, como qualquer casal, mas sempre dormimos na mesma cama, e no outro dia não saímos dela enquanto não colocamos os pingos nos is e fazemos as pazes. E que pazes, amiga. Ui! (France deu sua gargalhada)

France passou a ser um exemplo pra Val, e esta também sentia um pouco de inveja da amiga, tanto no tipo de relação que leva com o marido, quanto na alegria, no jeito leve de viver. 

Val foi mudando dia a dia, não é nada fácil pra ela, no sentido de levar a vida de um jeito mais leve, sem cobrar tanto o Mário, confiando.

Ele começou a sentir a mudança dela e passou a gostar disso. Ele tentou imitá-la, passou a fazer as coisas em casa, sem ela precisar pedir n vezes.  A relação deles tem melhorado bastante. Eles começaram a sair de mãos dadas, ou ambos saem com seus amigos, seja juntos ou a lugares diferentes. 

Valéria continua uma esposa, dona de casa, mãe, todas em uma, com a mesma dedicação, mas ela percebeu que pode ser mais que isso. Ela se vê como uma mulher com uma nova perspectiva sobre tudo, e fazendo o que gosta. Hoje ela faz roupa para si, para a família e ainda dá presente para algumas conhecidas, já que leva mais jeito para roupas femininas. 

Assim como Val, tem milhões de mulheres na mesma situação; ou que ainda não descobriram algo que as faça se sentirem bem consigo mesmas, mudando de dentro pra fora e fazendo os outros ao seu redor mudarem também. Outras sabem, mas não têm a coragem de dar o primeiro passo, sair de onde está é mais difícil do que imaginamos. Espero que um dia tenham a coragem de Val e voem. Você pode!


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