Henrique é um rapaz de boa família, e boa situação
financeira. Nasceu no Paraná, mas mudou-se para Rio de Janeiro ainda
recém-nascido. Mas era simples, nunca lhe subiu a cabeça todo o bem material
que possuíam.
Talvez porque desde o seu nascimento aprendeu a ver
a vida de outra forma, menos materialista e mais maduro, emotivo, valorizando o
que realmente importa, vivendo cada segundo como o último. Sorrindo, viajando,
se divertindo com amigos, namorando.
Ele nascera sem visão alguma, nenhum médico descobrira
a causa e ele vive sem um diagnóstico de sua deficiência visual até hoje, nos
seus 18 anos de idade. Seus pais viajavam, procuravam os melhores médicos e
nenhum tinha um diagnóstico seguro do problema de seu filho caçula.
Sua irmã mais velha, Lara, era totalmente o inverso,
mesmo com 20anos, ela ainda não havia amadurecido como mulher, agia como uma
adolescente consumista, que comprava tudo que lhe interessava sem preocupar-se
com o preço, gastava os cartões de crédito do pai, nunca gostou de estudar,
formou-se em administração, não por gosto, mas por exigência e chantagem do
pai. Ela e Henrique nunca foram amigos, mal se falavam, não tinham nenhuma
afinidade, e ela fazia questão de não ter. Ela dizia que teria que suprir a
carência dos pais de algum jeito, depois que ele nascera, tudo e toda atenção
era pra ele. Sua mãe sempre negara, dizia que a filha tinha a mesma atenção que
ele, que se dava um pouquinho mais de atenção e cuidado a ele, é porque ele
precisava mais.Ele era mais calmo, nunca discutia com ela, sentia-se culpado às
vezes por ter nascido e ter dado motivo pra irmã agir assim. Ele a amava muito,
queria vê-la sempre feliz.
Ele foi crescendo, e sua mãe ensinando-o a andar na
casa sozinho, ficar independente, ir para escola sozinho, andar na rua sozinho.
Ela lhe ensinava que mesmo ele sendo deficiente visual, ele tinha olfato,
audição, paladar, e principalmente tato para conhecer e fazer o que ele
quisesse. Que sua deficiência nunca deveria ser motivo de obstáculo para ele
não fazer algo que realmente quisesse. Ele era um rapaz muito inteligente,
tinha ótimas notas na escola, pois só uma escola comum o aceitara, era como uma
recompensa por tê-lo aceito lá, mas ele vivia isolado, raramente um vinha para
brincar com ele, ele se sentia muitas vezes excluído. Os únicos amigos eram os
primos mais velhos que ele, Lucas e Renato, que brincavam muito juntos, se
divertiam, saíam juntos. Esses dois primos, assim como toda a família o amavam,
o aceitavam como era. Seu pai, quando ele completara 10 anos lhe dera uma
bengala para auxiliá-lo nos seus passeios, sua ida vinda da escola. Era um
lindo menino, desde pequeno, tudo indicara que seria um belo rapaz, com seus
olhos esverdeados, pele morena, magro, alto.
A única moça que lhe interessava, que o fez se declarar,
ria dele, nem sequer olhava para ele, raramente dirigia a palavra a ele, e
quando fazia era para comentar dos outros rapazes, elogiando-os, o coração de
Henrique ficava partido, se sentia rejeitado, sua juventude não foi nada fácil.
Mas o tempo foi passando, ele crescendo, se
aceitando como era, apesar de não ser fácil, andar nas ruas, calçadas, era tão
difícil quanto se aceitar, pois nada era adaptado, dificilmente encontrava
sinalizações no piso, ou braile, tinha que andar na rua, pois as calçadas
tinham desníveis, poucos rebaixamentos, buraco, ás vezes ele até caia, tropeçava,
quase foi atropelado na esquina. Estudava, saia com os primos, conversavam, riam,
e Renato lhe apresenta Maria, uma moça muito bonita, ele sentiu quando passou a
mão pelo seu rosto. É inteligente, simpática, educada, meiga eles conversaram
muito, ele gostou do jeito dela e ela do dele.
Encontraram-se algumas vezes junto com os primos
dele, e cada dia as afinidades aumentavam, e o carinho de um pelo outro também,
até que ela decidida como era o beijou e ele correspondeu ao beijo com muito
ardor e paixão, daí começou o namoro.
Um dia em que estavam sozinhos em seu quarto, e
depois de muito amor, ele perguntou a Maria:_meu amor, você enfrentaria tudo e
todos por mim e comigo? Eu não quero ofendê-la com esta pergunta, mas muitas
vezes pensava nisso. Tenho medo de você me deixar, não aguentar a barra do
preconceito que certamente aconteceria por você estar junto de um cego como eu,
com tantos homens interessantes no mundo.
Ela simplesmente o beijou e disse: Eu Te Amo
Henrique, meu amor! Sempre soube da sua deficiência, isso nunca foi obstáculo
para estar com você e amá-lo como te amo. Eu sei que sofreremos preconceitos, e
que tem muitos homens interessantes no mundo, mas não para ficar comigo, quero
só você. Eu enfrentarei tudo e todos por você, e estarei sempre ao seu lado.
Quero ficar com você para sempre. E, por favor, tire essas coisas de sua
cabeça, independente do que digam por aí, eu estou com você porque te amo, não
sou mulher de ficar com alguém por dó, seja o motivo que for.
Isso o deixou emocionado, era a declaração de amor
mais linda que ele já ouvira nessa vida. Ele agradeceu pelo que disse, choraram
juntos e voltaram a se amar, com mais intensidade que antes. Pois para ele,
houve uma grande confiança e certeza, ela era o amor de sua vida, que ele
tivera muita sorte,que nem todos deficientes têm a sorte de receber a
declaração de amor que ele teve,ou melhor, não têm a sorte de encontrar uma
pessoa que os ame, como ela o amava e que ele amava demais.
Isso deu a Henrique segurança, mais força e vontade
de viver, de ser feliz, de realizar seus sonhos, como ser fotógrafo. Ele fez
seu curso de fotografia, formou-se, ela se formou em engenharia elétrica, eles
se casaram, viajaram o mundo, tiveram aventuras radicais, como voar de asa
delta, paraquedas, eles trabalhavam muito, sofreram preconceito, ambos pelas
profissões que resolveram seguir. Porque nem todos acreditavam que ele poderia
tirar fotos sem ao menos enxergar vultos, ele tirava fotos, brigava por seus
direitos, mostrava que aquela profissão, era não só seu sonho, seu hobbie, mas
também seu grande dom, já que fotografava natureza, monumentos importantes, que
seus outros sentidos o faziam “ver” o que seus olhos não podiam.
Mas ela o apoiava, comprava a briga dele por seus direitos,
acreditava nele, o admirava, orgulhava-se dele, e ele orgulhava-se dela, pela
ótima profissional que ela estava se tornando a cada dia, pela barreira do
machismo que ela vinha atravessando e superando-os. E por ela brigar quando os
homens a assediavam ou tentavam humilhá-lo por sua deficiência.
Sempre se amavam, o amor deles foi tão verdadeiro e
intenso, que ela engravidou, e desde a barriga, ela dissera ao seu bebê que o
seu pai era muito especial, que talvez também sofresse preconceito, mas que o pai
dele o amava muito, mesmo antes dele nascer, que o estava esperando ansioso. E
que ele deveria respeitá-lo, amá-lo e defender o pai, acreditar nele mesmo e no
pai sempre. Que independente do que falassem sobre ele ou os pais, ele deveria
apenas acreditar, ter fé em Deus, em si mesmo e no que superaram ,enfrentaram
para ter uma profissão, serem respeitados, admirados, e esses pais o amarão
sempre.
Que o importante é sempre persistir no sonho,
enfrentar o que for preciso para realizá-los, sempre honestamente, sem pisar em
ninguém, porque o mundo dá voltas, e quem você pisa hoje, pode ser quem te
estenderá a mão lá na frente, quando precisar. Por isso todos são dignos,
humanos e independe se é diferente dele, merece atenção, respeito, no mínimo
boa educação, porque ninguém é melhor ou pior que ninguém, mesmo que digam isso
a você. Ela conversava muito com o filho, mesmo ainda em sua barriga. Henrique
ficava cada dia mais apaixonado por ela, vendo-a grávida e linda.Ricardo nasceu
sem nenhum problema, “perfeito”, grande, lindo, puxara o pai fisicamente e o
jeito da mãe, inteligência e força dos dois.
Todos foram felizes, superando barreiras,
demonstrando do que são capazes de fazer, enfrentando preconceito,
discriminação nas ruas, pelas pessoas e pelos governantes que ignoram a
presença das pessoas com deficiência na cidade, mesmo eles pagando impostos
(não todos, mas maioria), contas, sendo cidadãos como qualquer um.
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