Iris é
uma mulher madura que ficou viúva ainda muito jovem, devido a um câncer que o
marido teve, e sua vida virou de cabeça pra baixo. Ela precisou ajustar coisas
na sua nova rotina, como por exemplo, passou a se preocupar com as contas de
casa e ir à casa lotérica para pagá-las, pois ele que lidava com isso, assim
como levar os filhos à escola, ou ir ao mercado. Sem falar na responsabilidade
de ser na época e para sempre, mãe e pai, mas sem pretensão de substituir
o pai deles.
Iris e
Daniel (este era o nome do marido, com quem ela foi casada por doze anos)
tiveram dois meninos, João e Diego, que hoje estão com vinte e dezoito
anos. Ainda tão crianças lidaram com algo tão difícil para superar,
a morte de alguém que amavam tanto.
Seis
meses antes de Dan adoecer...
Dan tinha
suas imperfeições, e uma delas era exigir a perfeição de si mesmo e dos outros,
principalmente de João, o mais velho, pois queria o melhor para o filho, queria
vê-lo dando o melhor de si, mas aquele garoto ainda não entendia, ele só tinha
oito anos, o que deixava o menino ansioso, exigindo muito de si mesmo, para não
decepcionar o pai. No entanto, Daniel também era um pai carinhoso, amigo e
muito engraçado, brincava com eles de bola, soltavam pipa, brincavam de
carrinho, lutinha nos fins de semana. Aqueles eram os melhores momentos
para todos, pois sempre que podiam eles se divertiam em família e esqueciam
seus problemas.
A doença
Logo que
começaram as dores no abdome e nenhum remédio natural ter resolvido, Iris o
levou ao médico e então a luta começou com exames caros para descobrirem o
diagnóstico, medicações às vezes na veia para passar as dores (eles começaram a
fazer rifa para ajudar a pagar tudo, tiraram as crianças da escola particular
para minimizar os gastos). Infelizmente o resultado não foi o que esperavam (na
verdade, eles tinham fé que fosse algo simples e rápido para ele melhorar),
pois Daniel estava com câncer no intestino, que já estava se espalhando para
outros órgãos mais rápido do que o médico previra. O médico o encaminhou ao
oncologista para começar o tratamento no SUS.
Assim que
o oncologista viu os exames pediu-lhes para iniciar imediatamente a
quimioterapia e a radioterapia para tentarem uma melhora mais eficaz. Os
efeitos colaterais iam surgindo, assim como o sofrimento de Iris e Daniel
aumentavam. Infelizmente o tratamento não estava tendo o resultado esperado, ao
contrário, parecia que se espalhava pelo corpo todo cada vez mais rápido, no
que deu em algumas internações de urgência. Ela mal dormia, porque ele não
dormia mais a noite (certamente com medo de não acordar), usava sonda para se
alimentar, fazer necessidades, usava fraldas, alimentação diferenciada e tudo
isso custava muito e iam se virando. A saúde dele deteriorava com uma
velocidade incrível e angustiante de ver. Ela precisou sair do trabalho para
cuidar dele, e decidiu mandar os filhos para a casa da irmã, que os levava à
escola, e também para não verem o pai naquela situação. Enquanto isso, Iris ficava
alerta 24 horas, ou pelo menos tentava; pois qualquer reação diferente tinha
que levá-lo ao hospital. Como não tinham mais tratamento para ele, era só dar-lhe
uma vida, ou um fim mais digno. Iris se encontrava exausta, a única coisa que
ainda lhe restava era pedir a Deus por socorro (ela o deixava com sua mãe para
cuidar dele enquanto ia à igreja para desabafar com Deus, chorar, estar
entregue a Ele, já que na presença do marido ela precisava ser forte, animada),
para dar-lhe força e assim conseguir transmitir um pouquinho de esperança, fé e
ânimo para Daniel, que ela sentia que estava desistindo de lutar.
Na igreja ela pensava em tanta coisa: Daniel
era o amor de sua vida, o que faria se o perdesse? Como seguir adiante se ele
não resistir? Ela pedia a Deus para não deixá-lo sofrer mais, aquilo a estava
matando também. Iris sentia toda sua energia sendo sugada, esvaindo do seu corpo,
mas não podia "jogar a toalha", visto que seus filhos estão pequenos
e precisam dela, ele ainda precisa dela. Enquanto pensava e pedia por
misericórdia, seus olhos aflitos estavam fixos na cruz do altar e as lágrimas
caiam no rosto devido ao cansaço; medo de perdê-lo, de não dar conta; pela
tristeza de vê-lo naquela situação e mesmo fazendo tudo o que estava ao seu
alcance, ela se sentia impotente.
Dan passou a assistir a desenhos com os
meninos, colorir com eles, queria aproveitar ao máximo a companhia dos filhos,
pois sentia que não iria vê-los crescer. Apesar de terem o pai perto maior
parte do tempo, por ele não conseguir mais trabalhar, eles eram crianças e
queriam fazer o que sempre fizeram com Dan, como correr, pular, etc. João, o
mais velho começou a perceber como o pai estava mal e perguntou a sua mãe o que
estava acontecendo com o pai. Ela lhe disse que o pai deles estava muito doente
e precisava que eles dessem carinho para ele, se comportassem mais, fizessem
menos bagunça e compreendessem que ela não poderia dar-lhes muita atenção ou
ficar cuidando da casa, pois Daniel precisava dos cuidados dela o tempo todo e
abraçou o filho. Ambos choraram no quintal.
_Está bem,
mãe. Eu entendo e vou falar com Diego. Eu te amo.
Ele
a abraçou com força.
_Obrigada
por entender, filho. Não queria que passassem por isso, mas nem sempre dá pra
evitar certas coisas. Eu também te amo muito, assim como o Diego.
Ela
beijou sua cabeça.
Iris
ligou para Ivy e lhe pediu para ficar com as crianças por um período. Ela
explicou a situação e a irmã aceitou de coração ficar com eles, pois os amava,
eram seus únicos sobrinhos e Iris precisava de ajuda.
No dia
seguinte Ivy foi buscá-los e os meninos choraram muito ao se despedirem dos
pais; enfim, todos choraram especialmente Daniel, já que não sabia se os veria
de novo. Ele entendia que os meninos ficarem com a cunhada iria tirar um pouco
da sobrecarga de Iris, mas sentiria muita falta deles. Seu coração estava
apertado e muito triste. Ele não queria se tornar um peso para todos, um
problema, e enquanto ela lavava a roupa, ele sofria calado, já que não
conseguia mais chorar, rir, nem enxergava direito por causa daquelas células
malditas que já alcançaram seu cérebro.
Alguns
dias depois...
Ele
piorou muito, parecia estar com falta de ar e Iris desesperada chamou a
ambulância e foi com ele para o hospital. Ele já no oxigênio apertava a mão
dela e a olhava.
Iris
sentia que estava na hora de seu marido partir, o beijou na testa com os olhos
marejados de emoção, e disse-lhe:
_Dan, eu
te amo tanto. Você é o amor da minha vida, e sou grata por ter passado esses
anos com você, por ter te conhecido e termos formado uma família
linda juntos. Só que não vou te prender aqui nesse mundo sofrendo, não seria
justo. Pode ir em paz e descansar, eu vou cuidar das crianças. Ela tirou a
máscara de oxigênio e tocou os lábios dele.
Ele
balbuciou algumas palavras inaudíveis, mas ele não precisava dizer nada, pois
ela sentia seu amor e gratidão. Aquele era o seu Dan, o homem mais amoroso e
leal que conheceu depois de seu pai.
Daniel
parte depois de cinco meses lutando e deixa uma mulher apaixonada, de coração
despedaçado; dois meninos lindos e uma saudade inimaginável. Após algumas
horas o funeral acontece com familiares, as crianças que foram se despedir do
pai, e amigos já sentindo a falta que ele fazia.
Dez anos
depois...
Iris já
com seus quarenta e seis anos, alguns fios brancos (ela sempre pinta, pois
aparência no seu trabalho como vendedora é importante), linhas de expressão
marcam seu rosto. Uma mulher ainda bonita, mas de olhar triste, com um
sorriso que por mais que finja, não tem mais a alegria de antes.
João com
vinte anos faz curso técnico de enfermagem à noite e durante o dia é
recepcionista em um hotel. Um rapaz alto e moreno como o seu pai, mas que
engordou muito (o que afetou sua autoestima) após a morte do seu herói.
Diego foi
o único que “aparentemente” não foi atingido por aquele passado, talvez por ser
o caçula, e não ser cobrado como o irmão. Ele trabalha como assistente contábil,
è mais baixo que o irmão, magro e com um sorriso lindo, conquistando assim as
meninas da faculdade (ele faz contabilidade) e tirando vantagem disso. O que
ninguém sabe, nem mesmo sua família è que ele tem pesadelos horríveis quase
todas as noites com a morte do pai, a doença dele, às vezes sonha que ele está
doente no lugar e acorda com o coração quase saindo pela boca e batendo muito
forte, até tomar seu remédio para dormir, que esconde na mochila. Ele tem uma
raiva interior tão intensa que não sabe explicar, então decidiu praticar o
boxe, para tentar por aqueles sentimentos para fora e também para não descontar
em quem não merecia. Diego não tem coragem de contar para ninguém, pois não
quer se sentir fraco diante de ninguém.
Orgulho?Medo?
Possivelmente os dois juntos, mas ele sentia que precisava ser forte por sua
mãe e incentivar seu irmão a procurar ajuda. Embora João nunca o escutasse, ou
simplesmente não sentia energia suficiente para correr atrás de nada.
Os filhos
encorajavam Iris a procurar um grupo de apoio e brincavam que ela podia arrumar
um namorado lá e ela resistindo, visto que nunca deixaria de amar Daniel.
Ela
pesquisou sobre o dia e foi a uma sessão de pessoas que perderam entes
queridos. Onde conheceu muitas pessoas, entre elas, Dorival, um homem
inteligente, bem-vestido, pouco mais velho que seu marido. Ele perdeu a esposa
há vinte anos, e depois disso tudo perdeu a cor. Estava ali há dois meses
para tentar devolver as cores perdidas, assim como todo mundo dali. Apesar de
se sentir estranha ali, aquilo estava lhe fazendo bem. Era consolador
saber que não estava sozinha na sua dor e solidão. Iris pensou em levar João,
mas conhecia o filho, e sabia que ele nunca iria.
Em uma
das sessões ela desabafou e contou sua historia com as lágrimas tocando tua
face, nisso Dorival toca seu braço e aperta levemente como forma de apoio e um
olhar de compaixão que ela não via há muito tempo, como se ele soubesse
exatamente como se sentia. Ela deu um sorriso tímido de agradecimento.
Naquele
mesmo dia...
Ele a
chama no privado e conta sua história, tão triste como a dela, pois a esposa
dele havia morrido com a mesma doença e durou mais de um ano. Ela soube naquele
momento que conseguiu um amigo que sentia o mesmo que ela.
Eles
passaram a se encontrar além das sessões, iam ao cinema, restaurantes, museus,
compartilhavam suas vidas e um dia ele a surpreendeu com um beijo.
Ela se
assustou e foi embora. Na cama Iris não tirava o beijo de sua cabeça. Ela vivia em um conflito angustiante, por um lado o queria, pois retribuiu o beijo; por outro lado, sentia como se estivesse traindo o marido, sentia-se culpada e aquilo durou dias.
Quando
Diego foi embora ( ela disfarçou bem e não lhe disse nada), ela mandou um áudio para Dorival pedindo desculpa pela reação,
que estava muito confusa e para se afastarem por uns dias.
Ele
respondeu que entendia e que respeitaria, mas que ela mexia muito com ele, a
primeira mulher depois de tantos anos.
Iris
também percebeu que não tinha como negar que ele
também mexia muito com ela e passou a sentir paz.
Ela
voltou a frequentar o grupo depois de duas semanas ausente. A sua volta foi
comemorada com muitos abraços e palmas.
Dias
depois.
João e Diego durante o jantar lhe disseram que ela merecia ser feliz de novo, que aceitavam que
encontrasse alguém. Que seria difícil para eles no começo, mas ela estava sozinha há tanto tempo, que merecia uma boa companhia. Iris então contou-lhes sobre Dorival, e por mais que não gostassem da novidade, eles a apoiaram a encontrá-lo.
Íris
ligou para Dorival e conversaram muito, então ela o convidou para saírem.
_
Convidando um homem para sair? Você está moderna, hein? Vai pagar a conta
também, ou dividir? Ambos riram.
_ Não é
pra tanto, ainda acho importante o cavalheirismo. Você paga. Eles riram de
novo.
Era tão
fácil a conversa entre eles. Talvez até mais do que com Daniel, mas ela nunca se
esquecerá dele, assim como Dorival não se esquecerá da sua falecida esposa, Morgana, mas
precisam seguir em frente.
Iris
voltou a se cuidar mais; seus olhos e sorriso passaram a ter brilho novamente.
Ela parecia mais jovem e feliz.
Seus
filhos parecem ter renovado as energias deles, como se ver a mãe deles feliz
dava-lhes motivos para seguir em frente também. João foi ao nutricionista e
estava se exercitando. Diego foi buscar um terapeuta. Tem um longo caminho para seguir, mas nenhum deles
desistirá de ser feliz, assim como Iris.