sábado, 16 de janeiro de 2021

MAIS FORTE QUE O AME

 


 

Isabelle hoje é uma mulher segura quanto ao seu corpo, está mais autoconfiante, mas nem sempre foi assim. Ela agora contará sua jornada até aqui.

Eu me chamo Isabelle, mas a maioria me chama de Isa. Eu nasci de parto normal e tranquilo e com o passar dos meses, especialmente depois dos seis meses as coisas começaram a mudar. Meus pais eram inexperientes, pois eu era a primeira filha deles, mas mesmo assim eles notaram que eu era diferente dos sobrinhos e outras crianças do meu tamanho que eles conheciam. Eles me contaram que eu não tinha força no pescoço, então não conseguia levantar a cabeça, meu corpo era mole. Eles me levaram a alguns pediatras, até que um deles pediu uns exames para confirmar o diagnóstico que ele suspeitava e descobriram que tenho AME (Atrofia Muscular Espinhal, tipo 2), um dos tipos mais agravados da doença, devido a fraqueza muscular, eu tinha dificuldade para mamar, sentar, levar mãos a boca, não sustentava a cabeça, e a respiração era difícil, inclusive meu choro era fraco. A doença afetou mais os músculos das minhas pernas e tronco, então comecei a fazer fisioterapia para fortalecer os músculos do corpo, além de cuidar da escoliose, pois minha coluna já estava ficando “torta”. A vida dos meus pais não era fácil, e como a doença é progressiva e degenerativa, porque destrói os neurônios motores, por mais que eu tratasse da fraqueza muscular, da escoliose e do sistema respiratório, a fraqueza fez com que eu demorasse mais para andar, porém não andei por muito tempo e passei a usar a cadeira de rodas. Meus pais ficavam com medo de que algo ruim acontecesse e se tornaram pais superprotetores. No entanto, eu queria ser como as outras crianças e brincar, estudar e eu comecei a  me adaptar para conseguir me divertir. Eu era uma menina atentada. Achar uma escola acessível, adaptada foi impossível há vinte e oito anos, agora encontrar uma escola que me aceitasse pela minha deficiência física foi necessário ir de escola em escola , mas encontramos. Embora meus pais mesmo relutassem em deixar eu ir para a escola, por medo de que eu sofresse rejeição dos colegas, ou falassem coisas ruins, eu insisti tanto que acabaram cedendo e fizeram rifas para adaptarem a escola antes de começarem as aulas. Eu já chorei muito escondida, porque meus pais não podiam saber que meus colegas me deixavam sozinha e iam brincar nos brinquedos, eles me chamaram de “aleijada”, termo tão ofensivo, de estranha; uma das mães foi a escola e pediu a diretora para me tirar de lá, porque ela não queria os filhos dela convivendo comigo. Todavia, a diretora era uma mulher forte e não aceitou o pedido da mãe. Eu nunca dei motivo para ser expulsa, pois sempre tive ótimas notas, participava das aulas, não fazia bagunça. Eu sempre gostei muito de estudar, mas nunca fui do tipo nerd. O único amigo que fiz e que passava os recreios comigo era o João, um menino muito legal. A gente ria muito e chorava juntos. Infelizmente perdemos contato. Espero um dia encontra-lo. Minha adolescência foi uma fase ainda mais complicada. Eu me interessava pelos garotos, mas nenhum se interessava por mim. Era muito difícil para mim me aceitar e me amar como sou. As pessoas me chamando de coitadinha, aquele olhar de pena me fazia sentir ainda pior, um nada. Minha mãe nunca me falou sobre sexualidade, e quando perguntei ela disse: Pra que você quer saber dessas coisas,menina? Você nunca vai fazer mesmo. Aquilo doeu tanto. 

Eu precisei ir para a terapia para ver se conseguiria me amar e aceitar minha deficiência, meus limites, me achar sexy, gata e não ligar para os comentários alheios, não permitir que me ferissem novamente. Fiz pouquíssimas amizades, algumas delas me viam como o patinho feio da turma, o que levantava o ego delas que conseguiam garotos facilmente. Eu raramente saía de casa para passear com elas ou para paquerar, pois não tinham lugares acessíveis onde moro. As pessoas estranhavam quando eu dizia que estava no último ano do ensino médio e que pretendia ser advogada na área civil, especialmente para ajudar pessoas com deficiência a conquistarem seus direitos. Uns até riam, duvidando de minha capacidade.  Eu precisei frequentar por bom tempo a terapia, afastei daquelas que não valia mais a pena manter amizade, depois que passei a ter amor próprio e me aceitar, então consegui ficar com uns garotos bem gatos e legais. Meus primos ficavam bravos quando me viam com um cara e queriam bater nele, pois diziam que o cara só estava me usando e passando um tempo enquanto não achava outras gatas, que eu ainda era uma criança; como se eu não tivesse crescido; não fosse interessante ou não tivesse nenhum atrativo. Não vou dizer que não me machucava um pouco, porque sou humana, mas é um processo demorado. Hoje com trinta anos eu me amo e não me deixo abalar com isso como antes. Eu consegui me formar em direito e passei na OAB. Foram duas conquistas imensuráveis para mim e uma surpresa para meus familiares, amigos... Eu sinto que passei da fase de só ficar, eu pretendo ter algo mais sério com um homem que tenho conhecido, quero casar, ter minha família, minha casa, nem que a gente precise adotar. Tem tantas crianças esperando por pais que os amem, embora eu seja uma pessoa com deficiência,eu também tenho direito de adotar e muitas outras coisas. Minhas limitações não me impediram de conquistar coisas importantes para mim, inclusive de me sentir uma mulher boa o suficiente para ter o homem que eu quiser.



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