Romário é sempre brincalhão, porém, gentil, educado com todos: sejam eles pacientes, colegas ou médicos. Como nunca percebeu ou sentiu um clima entre eles, então Juliana prefere ficar na dela, esperando uma atitude dele. Ela nunca foi de sair com vários caras, e admirava, ou invejava as meninas que eram mais ousadas, que chegavam nos homens, que ficavam de forma casual. Ju sempre gostou de algo mais sério, no entanto, seus relacionamentos nunca duraram muito, seja por imaturidade, apego muito rápido, insegurança dela; ou irresponsabilidade afetiva, falta de interesse em compromisso, grosseria da parte deles. Algo que ela não admitia, por isso admirava tanto o jeito de Romário, além do sorriso branco, seu perfume que dava vontade de agarrá-lo e ficar cheirando o pescoço o tempo todo, mas precisava me controlar, por isso evitava ir à área de atendimento. Um hábito constante em sua vida: conter-se.
A vida de Juliana
baseia-se em: trabalhar; cuidar dos pais (o que pode levar muito tempo do dia
dela); manter a casa arrumada; fazer comida; ter paciência; ficar de olho em
tudo; e pagar as contas. Ela se sentia sem motivação, entediada, pode-se dizer
que se sentia infeliz.
Para os colegas de
Juliana, sua vida era maravilhosa, pois não era casada, nem tinha filhos. Era
como se não tivesse problemas na vida, e que só eles tinham contas a pagar.
Quem dera, ela pensava. Aquela mulher desistiu de gastar sua energia tentando
mostrar aos outros que sua vida estava longe de ser perfeita, e que seus gastos
eram tão grandes quanto os deles. Não valia a pena ficar falando, então dava
seu sorriso amarelo para evitar mais conversa fiada.
Um dia foi à casa
de Diana, onde conheceu Jean, o cunhado de sua amiga, e percebeu uma troca de
olhares entre eles. Jean sempre dava um jeito de se aproximar dela e puxava
assunto, a provocava. Ele era engraçado, mas não era daquele tipo de cara que
quer ser engraçado à todo custo, e acaba se tornando insuportável. Ela se
perguntou por que não conhecê-lo melhor, ver o que ele quer. Romário não faz
nada e ela já estava cansada de esperar. Aquele rapaz era mais baixo do que o
último rapaz com quem saiu. Aparentava ser mais novo, no entanto, ele teve a
atitude de lhe pedir o número de telefone. Assim que ela foi embora da casa de
Diana ele ligou e conversaram por umas horas. A conversa fluía tão bem, ela se
sentia à vontade com ele, e assim seguiu uma rotina: eles passaram a conversar
todos os dias depois que Juliana ia descansar em seu quarto, enquanto ele
jantava, ou se deitava no sofá para conversarem, pois chegava tarde do
trabalho. Jean era tratorista numa fazenda e morava também com os pais. Ela
percebeu nele um homem bem humorado, correto, e muito sério nos seus valores.
Ela começou a esquecer de Romário.
Romário, porém,
começou a notar que Juliana estava diferente, e a ouviu falar sobre outro rapaz
com uma colega e sentiu ciúmes, além do ego ferido.
Ele começou a se
aproximar mais dela, elogiá-la, e apesar de ser educada ao agradecer, Ju foi
direta quando percebeu a intenção dele e disse lhe:
_Romário, eu estou
conhecendo uma pessoa. Eu te esperei por muito tempo, mas como não tomou
nenhuma atitude, então segui em frente. Quando você deveria ter feito o que
está fazendo não fez. Cansei.
Ele perguntou se
estava namorando, e ela lhe disse:_ Por enquanto estamos nos conhecendo, e não
temos pressa.
_Podemos ser
amigos, pelo menos, Juliana?
_Por que agora,
Romário? Acho melhor deixarmos como estava. Tchau.
Ele ficou
cabisbaixo por dias e pensava como podia ser tão idiota por perder uma mulher
como ela. Ela não lhe deu esperança alguma, nem sua amizade queria. E agora
ficaria chupando dedo.
As conversas
estavam ficando cada dia melhores. Jean era um homem tímido, respeitador e também
brincalhão quando conhecia melhor a pessoa, o que a deixava encantada. Ela se
perguntava quando ele a chamaria pra sair.
Jean finalmente
criou coragem para convidá-la para sair e os dois foram a um parque de
diversões.
Ele a encorajou a
andar com ele na montanha russa pela primeira vez, enquanto o carrinho subia
ele segurava a mão dela, mostrando-lhe apoio.
Ju conseguiu se
abrir com ele e lhe contou como se sente sobrecarregada, o quanto é exaustivo
manter tudo em ordem, estar sempre no controle, ser forte o tempo todo. Algo
dentro dela dizia antes de ela falar para não fazer aquilo, que parecer
vulnerável poderia fazê-lo perder a admiração, interesse por ela. Ela ficou em
silêncio por uns minutos, bem reflexiva se falava ou não. Tudo estava tão bom, não
queria que se afastasse dela, como os outros fizeram. No entanto, ela sentia
que suas emoções estavam para explodir a qualquer momento.
_Ei, Ju, está tudo
bem? Ficou quieta de repente. Ele a olhou nos olhos e viu angústia. A primeira
atitude que teve foi abraçá-la com força, protegê-la, seja lá do que fosse.
Ela, no entanto,
não resistiu e desabou, chorava nos braços dele compulsivamente. Depois de se
acalmar, muito envergonhada pediu desculpas.
_Desculpa, Jean,
não deveria ter estragado nosso passeio, a gente estava se divertindo. Não sei
por que fui tão fraca e desabei assim.
Ele colocou o dedo
em seus lábios a silenciando.
_Você não precisa
se desculpar por isso, e nem estragou nosso passeio, que pra mim, está
perfeito, Ju. Eu vi angústia em seus olhos, e mesmo sem saber o que estava
acontecendo, eu senti que você precisava daquele abraço e fiz.
Ela deu seu melhor
sorriso para agradecer e contou como se sente, e que não poderia ser assim, que
estava pensativa, pois não sabia se deveria contar-lhe sobre seus sentimentos,
incluindo sobre como se sentia quando conversava com ele. Algo dentro dela
dizia que se falasse ele se afastaria, perderia a admiração por ela.
_Ju, espero que
saiba que nem sempre podemos ouvir nossa voz interior, ela pode nos sabotar e
muito. Eu sou sim, dez anos mais novo que você, mas eu nunca seria infantil ao
ponto de me afastar de uma mulher como você, só por me mostrar quem realmente
é, e expor suas emoções, que eu percebi que é difícil pra você. Eu realmente
agradeço por confiar em mim. Eu sinto do mesmo jeito sobre você e não,
não perdi a admiração por você, ao contrário, ela aumentou, pois não quero uma
mulher forte, heroína o tempo todo, é chato pra dedéu. Eles riram. Eu
estarei sempre com você, se quiser. Eu estou louco pra te beijar, mas antes
disso quero ser teu amigo, que possamos ser nós mesmos um com o outro.
Ela não pensou duas
vezes e o beijou. Ele foi bem receptivo e o beijo foi indescritível.
Ele a pediu em
namoro e passou a ajudá-la cuidando dos pais dela quando estava de folga, ou
eles iam a casa dele passar um tempo com a família daquele rapaz. Ás vezes ela
levava os pais dela também e passavam horas muito boas juntos. Os pais dele
receberam-na tão bem e não ligaram para a diferença de idade deles. A mãe dele
disse que Jean sempre foi maduro para a idade dele desde pequeno, e se ele a
escolheu era porque viu que era a mulher certa. E pelo que tinham conversado,
ela percebeu que o filho estava certo.
Juliana ligou para
Daiana e disse que estava namorando Jean, e a amiga ficou muito feliz por ela.
Juliana estava só há tanto tempo, e mesmo com a cuidadora para ajudar a cuidar
dos pais, percebia o quanto estava solitária e precisava de apoio. Daiana se sentia
uma péssima amiga, às vezes, por ficar em sua casa cuidando de tudo e não ir
ajudar Ju, mas cuidar de um lar, e de uma família era bem cansativo.
Ultimamente a única coisa que queria era deitar e dormir depois de fazer tudo.
Ela sabia que não era desculpa, mas não tinha energia nem pra sair de casa.
Daiana disse isso a Ju uma vez como se sentia, a amiga a abraçou, compreendeu e
nunca a julgou ser mà amiga por isso, pois ela também não tinha energia pra
nada. Quando a cuidadora não ia ao fim de semana, ou por algum motivo
importante, sua rotina virava do avesso, ela pensava que iria ficar louca. A
sua sorte é que várias vezes podia contar com a vizinha, Joana, que a ajudava
durante a semana, ou se saía com Jean. Aquela senhora sabia o quanto era
difícil pr’aquela moça fazer tudo sozinha e a admirava. Ela via o quanto Ju
precisava de um descanso, e por isso fazia companhia aos pais dela.
Apesar de Jean
fazê-la muito feliz, ela precisava de mais, pois ele não podia ser o único meio
de se sentir feliz, realizada. Ju não estava feliz em seu trabalho, precisava
se descobrir: saber o que queria pra vida dela, aonde quer chegar, do que
gostava, pois tem feito tudo tão no automático nos últimos anos, que esqueceu
de si mesma. Ela resolveu então tirar um fim de semana pra si mesma, longe de
todos e de tudo que a preocupava, então pediu a chácara de Daiana emprestada
para passar um momento sozinha e refletir, se autoconhecer. Foram dois dias
muito intensos, reflexivos e ela resolveu que procuraria outro emprego, enviando
vários currículos online, e que faria aula de violão em casa, assim, ela
poderia estar atenta ao país dela. Violão é um instrumento que ela sempre
gostou do som, e admirava quem tocava bem. Ela só ficava ansiosa se daria conta
de tudo. Ju estava tensa, temerosa, pois não sabia como Jean reagiria ao lhe contar
sobre suas reflexões e decisões. Ele a abraçou e disse-lhe que ajudaria, que
ela não estava só, e que queria vê-la feliz. Ela ficou tão comovida com a
reação dele que seus olhos derramaram as lágrimas mais felizes que ela já
derramou em toda sua vida. Antes eram lágrimas de medo, solidão, e tristeza,
por causa dos relacionamentos anteriores. Aquele homem em sua frente, com
os olhos brilhando e o sorriso iluminado olhando pra ela era realmente o amor
da sua vida, e não abriria mão da relação que eles têm. Ela sabia que
futuramente se casariam, era o destino deles.
Juliana amava trabalhar
com pessoas, embora muitas vezes elas podiam estressá-la com o número de
problemas que lhe traziam, além da grosseria, incompreensão, e raramente era
ríspida com algum paciente. Suas colegas sempre diziam que ela era muito
paciente, que não sabiam como ela conseguia. Simplesmente queria atender ás
pessoas como ela gostaria de ser atendida, com boa vontade, interesse e resolver
tudo que estava ao seu alcance. No entanto, Ju não quer mais trabalhar na área da
saúde, era muito desgastante e triste, sombrio.
Passaram-se seis
meses até conseguir uma entrevista e depois várias outras empresas entraram em
contato e após oito meses ela conseguiu um novo trabalho para lidar com as
relações de trabalho em uma empresa de publicidade. Foi muito bom mudar de ares,
mas ao mesmo tempo, era bem difícil para ela sair de um lugar em que aprendeu
tanto, passou doze anos, conviveu com colegas que considerava tanto, outros nem
tanto; um lugar em que fez amizade com vários pacientes, e sentiria saudades,
mas precisava seguir em frente. Foi um dia de muita emoção para todos: muitas
lágrimas, abraços, bilhetes cheios de carinho e amor, embora despedida nunca seja
fácil.
Achou que era só
isso? Aquela nova versão de Juliana queria se superar, então começou fazer uma
pós-graduação nos fins de semana, na área em que começou a trabalhar.
Ela estava tão
ansiosa e com medo de não ser bem-vinda, de ser ignorada, de tratarem-na mal, mas
quando o diretor a apresentou aos outros seus receios caíram por terra, e todos
foram educados, gentis com ela. O coração dela bateu aliviado.
Sua vida estava mais corrida do que nunca, e
apesar de quase não conseguir ver Jean, quando estavam juntos viviam momentos
únicos. Ela estava se sentindo realizada, bem consigo mesma. Ele estava tão
feliz por tê-la em sua vida que lhe pediu em casamento com um anel simples de
ouro, mas que tem economizado por alguns meses para comprar. O amor deles era
profundo, sincero e estavam preparados para enfrentarem tudo juntos. Eles sabiam
que o casamento não é um mar de rosas, que tem mais desafios do que momentos
bons, que é preciso respeito, admiração, ceder, perdoar, ter paciência, diálogo
e companheirismo para o amor durar e o carinho permanecer até que a morte os
separe. Eles não estavam romantizando o amor, eles ouviram tanto os conselhos
da mãe de Juliana e dos pais de Jean, que estavam cientes sobre o que é
casamento e mesmo assim estavam dispostos a tudo.
Um ano depois do
pedido eles se casaram e foi algo simples, pois casaram no civil, e na
igreja foi algo bem mais barato e discreto do que os casamentos de hoje em dia.
Porém, havia muita gente celebrando com eles. Houve um almoço com pratos que o
casal amava, como uma deliciosa macarronada com molho branco e molho vermelho, um
pernil assado, de entrada patê com torrada, petiscos como presunto, queijo,
azeitonas, e um delicioso bolo de sobremesa, além de sucos e refrigerantes já que o casal não bebe bebida alcoólica. Juliana
e Jean ajudaram a mãe dele nos preparativos na chácara, até a mãe de Ju ajudou
no que podia, como cortar verduras e legumes para a comida. A festa tinha muita
música e alegria.
A vida a dois teve muitos percalços, como a morte do pai de Ju, uma perda muito dolorosa pra ela, visto que era muito apegada a ele,embora não a reconhecesse mais, a infância e adolescência dela era muito marcada pela presença e carinho dele. A descoberta da diabetes na mãe de Jean, que precisou cortar ou reduzir várias coisas na alimentação, como massas e doces também foi alvo de preocupação para todos, pois sabiam os problemas que ela causa se não é controlada.
Apesar de tudo isso e dos desafios de trabalhar, estudar, cuidar da casa, de Jean, ela estava feliz com suas conquistas. E mesmo que se preocupe com sua mãe morando só, ela liga sempre, e a visita, já que sua mãe não quis sair de casa. Ju e Jean decidiram esperar mais uns anos para crescer a família. Enfim, a vida dela não é perfeita, mas está na busca constante de ser uma versão melhor de si mesma todos os dias.
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