sábado, 25 de maio de 2024

JULIANA


 Romário é sempre brincalhão, porém, gentil, educado com todos: sejam eles pacientes, colegas ou médicos. Como nunca percebeu ou sentiu um clima entre eles, então Juliana prefere ficar na dela, esperando uma atitude dele. Ela nunca foi de sair com vários caras, e admirava, ou invejava as meninas que eram mais ousadas, que chegavam nos homens, que ficavam de forma casual. Ju sempre gostou de algo mais sério, no entanto, seus relacionamentos nunca duraram muito, seja por imaturidade, apego muito rápido, insegurança dela; ou irresponsabilidade afetiva, falta de interesse em compromisso, grosseria da parte deles. Algo que ela não admitia, por isso admirava tanto o jeito de Romário, além do sorriso branco, seu perfume que dava vontade de agarrá-lo e ficar cheirando o pescoço o tempo todo, mas precisava me controlar, por isso evitava ir à área de atendimento. Um hábito constante em sua vida: conter-se.   

A vida de Juliana baseia-se em: trabalhar; cuidar dos pais (o que pode levar muito tempo do dia dela); manter a casa arrumada; fazer comida; ter paciência; ficar de olho em tudo; e pagar as contas. Ela se sentia sem motivação, entediada, pode-se dizer que se sentia infeliz.

Para os colegas de Juliana, sua vida era maravilhosa, pois não era casada, nem tinha filhos. Era como se não tivesse problemas na vida, e que só eles tinham contas a pagar. Quem dera, ela pensava. Aquela mulher desistiu de gastar sua energia tentando mostrar aos outros que sua vida estava longe de ser perfeita, e que seus gastos eram tão grandes quanto os deles. Não valia a pena ficar falando, então dava seu sorriso amarelo para evitar mais conversa fiada. 

Um dia foi à casa de Diana, onde conheceu Jean, o cunhado de sua amiga, e percebeu uma troca de olhares entre eles. Jean sempre dava um jeito de se aproximar dela e puxava assunto, a provocava. Ele era engraçado, mas não era daquele tipo de cara que quer ser engraçado à todo custo, e acaba se tornando insuportável.  Ela se perguntou por que não conhecê-lo melhor, ver o que ele quer. Romário não faz nada e ela já estava cansada de esperar. Aquele rapaz era mais baixo do que o último rapaz com quem saiu. Aparentava ser mais novo, no entanto, ele teve a atitude de lhe pedir o número de telefone. Assim que ela foi embora da casa de Diana ele ligou e conversaram por umas horas. A conversa fluía tão bem, ela se sentia à vontade com ele, e assim seguiu uma rotina: eles passaram a conversar todos os dias depois que Juliana ia descansar em seu quarto, enquanto ele jantava, ou se deitava no sofá para conversarem, pois chegava tarde do trabalho. Jean era tratorista numa fazenda e morava também com os pais. Ela percebeu nele um homem bem humorado, correto, e muito sério nos seus valores. Ela começou a esquecer de Romário.

Romário, porém, começou a notar que Juliana estava diferente, e a ouviu falar sobre outro rapaz com uma colega e sentiu ciúmes, além do ego ferido. 

Ele começou a se aproximar mais dela, elogiá-la, e apesar de ser educada ao agradecer, Ju foi direta quando percebeu a intenção dele e disse lhe:

_Romário, eu estou conhecendo uma pessoa. Eu te esperei por muito tempo, mas como não tomou nenhuma atitude, então segui em frente. Quando você deveria ter feito o que está fazendo não fez. Cansei.

Ele perguntou se estava namorando, e ela lhe disse:_ Por enquanto estamos nos conhecendo, e não temos pressa. 

_Podemos ser amigos, pelo menos, Juliana?

_Por que agora, Romário? Acho melhor deixarmos como estava. Tchau.

Ele ficou cabisbaixo por dias e pensava como podia ser tão idiota por perder uma mulher como ela. Ela não lhe deu esperança alguma, nem sua amizade queria. E agora ficaria chupando dedo.

As conversas estavam ficando cada dia melhores. Jean era um homem tímido, respeitador e também brincalhão quando conhecia melhor a pessoa, o que a deixava encantada. Ela se perguntava quando ele a chamaria pra sair. 

Jean finalmente criou coragem para convidá-la para sair e os dois foram a um parque de diversões. 

Ele a encorajou a andar com ele na montanha russa pela primeira vez, enquanto o carrinho subia ele segurava a mão dela, mostrando-lhe apoio.

Ju conseguiu se abrir com ele e lhe contou como se sente sobrecarregada, o quanto é exaustivo manter tudo em ordem, estar sempre no controle, ser forte o tempo todo. Algo dentro dela dizia antes de ela falar para não fazer aquilo, que parecer vulnerável poderia fazê-lo perder a admiração, interesse por ela. Ela ficou em silêncio por uns minutos, bem reflexiva se falava ou não. Tudo estava tão bom, não queria que se afastasse dela, como os outros fizeram. No entanto, ela sentia que suas emoções estavam para explodir a qualquer momento.

_Ei, Ju, está tudo bem? Ficou quieta de repente. Ele a olhou nos olhos e viu angústia. A primeira atitude que teve foi abraçá-la com força, protegê-la, seja lá do que fosse.

Ela, no entanto, não resistiu e desabou, chorava nos braços dele compulsivamente. Depois de se acalmar,  muito envergonhada pediu desculpas.

_Desculpa, Jean, não deveria ter estragado nosso passeio, a gente estava se divertindo. Não sei por que fui tão fraca e desabei assim. 

Ele colocou o dedo em seus lábios a silenciando.

_Você não precisa se desculpar por isso, e nem estragou nosso passeio, que pra mim, está perfeito, Ju. Eu vi angústia em seus olhos, e mesmo sem saber o que estava acontecendo, eu senti que você precisava daquele abraço e fiz. 

Ela deu seu melhor sorriso para agradecer e contou como se sente, e que não poderia ser assim, que estava pensativa, pois não sabia se deveria contar-lhe sobre seus sentimentos, incluindo sobre como se sentia quando conversava com ele. Algo dentro dela dizia que se falasse ele se afastaria, perderia a admiração por ela.

_Ju, espero que saiba que nem sempre podemos ouvir nossa voz interior, ela pode nos sabotar e muito. Eu sou sim, dez anos mais novo que você, mas eu nunca seria infantil ao ponto de me afastar de uma mulher como você, só por me mostrar quem realmente é, e expor suas emoções, que eu percebi que é difícil pra você. Eu realmente agradeço por confiar em mim. Eu sinto do  mesmo jeito sobre você e não, não perdi a admiração por você, ao contrário, ela aumentou, pois não quero uma mulher forte, heroína o tempo todo, é chato pra dedéu. Eles riram. Eu estarei sempre com você, se quiser. Eu estou louco pra te beijar, mas antes disso quero ser teu amigo, que possamos ser nós mesmos um com o outro.

Ela não pensou duas vezes e o beijou. Ele foi bem receptivo e o beijo foi indescritível.

Ele a pediu em namoro e passou a ajudá-la cuidando dos pais dela quando estava de folga, ou eles iam a casa dele passar um tempo com a família daquele rapaz. Ás vezes ela levava os pais dela também e passavam horas muito boas juntos. Os pais dele receberam-na tão bem e não ligaram para a diferença de idade deles. A mãe dele disse que Jean sempre foi maduro para a idade dele desde pequeno, e se ele a escolheu era porque viu que era a mulher certa. E pelo que tinham conversado, ela percebeu que o filho estava certo.

Juliana ligou para Daiana e disse que estava namorando Jean, e a amiga ficou muito feliz por ela. Juliana estava só há tanto tempo, e mesmo com a cuidadora para ajudar a cuidar dos pais, percebia o quanto estava solitária e precisava de apoio. Daiana se sentia uma péssima amiga, às vezes, por ficar em sua casa cuidando de tudo e não ir ajudar Ju, mas cuidar de um lar, e de uma família era bem cansativo. Ultimamente a única coisa que queria era deitar e dormir depois de fazer tudo. Ela sabia que não era desculpa, mas não tinha energia nem pra sair de casa. Daiana disse isso a Ju uma vez como se sentia, a amiga a abraçou, compreendeu e nunca a julgou ser mà amiga por isso, pois ela também não tinha energia pra nada. Quando a cuidadora não ia ao fim de semana, ou por algum motivo importante, sua rotina virava do avesso, ela pensava que iria ficar louca. A sua sorte é que várias vezes podia contar com a vizinha, Joana, que a ajudava durante a semana, ou se saía com Jean. Aquela senhora sabia o quanto era difícil pr’aquela moça fazer tudo sozinha e a admirava. Ela via o quanto Ju precisava de um descanso, e por isso fazia companhia aos pais dela.

Apesar de Jean fazê-la muito feliz, ela precisava de mais, pois ele não podia ser o único meio de se sentir feliz, realizada. Ju não estava feliz em seu trabalho, precisava se descobrir: saber o que queria pra vida dela, aonde quer chegar, do que gostava, pois tem feito tudo tão no automático nos últimos anos, que esqueceu de si mesma. Ela resolveu então tirar um fim de semana pra si mesma, longe de todos e de tudo que a preocupava, então pediu a chácara de Daiana emprestada para passar um momento sozinha e refletir, se autoconhecer. Foram dois dias muito intensos, reflexivos e ela resolveu que procuraria outro emprego, enviando vários currículos online, e que faria aula de violão em casa, assim, ela poderia estar atenta ao país dela. Violão é um instrumento que ela sempre gostou do som, e admirava quem tocava bem. Ela só ficava ansiosa se daria conta de tudo. Ju estava tensa, temerosa, pois não sabia como Jean reagiria ao lhe contar sobre suas reflexões e decisões. Ele a abraçou e disse-lhe que ajudaria, que ela não estava só, e que queria vê-la feliz. Ela ficou tão comovida com a reação dele que seus olhos derramaram as lágrimas mais felizes que ela já derramou em toda sua vida. Antes eram lágrimas de medo, solidão, e tristeza, por causa dos relacionamentos anteriores.  Aquele homem em sua frente, com os olhos brilhando e o sorriso iluminado olhando pra ela era realmente o amor da sua vida, e não abriria mão da relação que eles têm. Ela sabia que futuramente se casariam, era o destino deles.  

Juliana amava trabalhar com pessoas, embora muitas vezes elas podiam estressá-la com o número de problemas que lhe traziam, além da grosseria, incompreensão, e raramente era ríspida com algum paciente. Suas colegas sempre diziam que ela era muito paciente, que não sabiam como ela conseguia. Simplesmente queria atender ás pessoas como ela gostaria de ser atendida, com boa vontade, interesse e resolver tudo que estava ao seu alcance. No entanto, Ju não quer mais trabalhar na área da saúde, era muito desgastante e triste, sombrio.

Passaram-se seis meses até conseguir uma entrevista e depois várias outras empresas entraram em contato e após oito meses ela conseguiu um novo trabalho para lidar com as relações de trabalho em uma empresa de publicidade. Foi muito bom mudar de ares, mas ao mesmo tempo, era bem difícil para ela sair de um lugar em que aprendeu tanto, passou doze anos, conviveu com colegas que considerava tanto, outros nem tanto; um lugar em que fez amizade com vários pacientes, e sentiria saudades, mas precisava seguir em frente. Foi um dia de muita emoção para todos: muitas lágrimas, abraços, bilhetes cheios de carinho e amor, embora despedida nunca seja fácil.

Achou que era só isso? Aquela nova versão de Juliana queria se superar, então começou fazer uma pós-graduação nos fins de semana, na área em que começou a trabalhar.  

Ela estava tão ansiosa e com medo de não ser bem-vinda, de ser ignorada, de tratarem-na mal, mas quando o diretor a apresentou aos outros seus receios caíram por terra, e todos foram educados, gentis com ela. O coração dela bateu aliviado.

 Sua vida estava mais corrida do que nunca, e apesar de quase não conseguir ver Jean, quando estavam juntos viviam momentos únicos. Ela estava se sentindo realizada, bem consigo mesma. Ele estava tão feliz por tê-la em sua vida que lhe pediu em casamento com um anel simples de ouro, mas que tem economizado por alguns meses para comprar. O amor deles era profundo, sincero e estavam preparados para enfrentarem tudo juntos. Eles sabiam que o casamento não é um mar de rosas, que tem mais desafios do que momentos bons, que é preciso respeito, admiração, ceder, perdoar, ter paciência, diálogo e companheirismo para o amor durar e o carinho permanecer até que a morte os separe. Eles não estavam romantizando o amor, eles ouviram tanto os conselhos da mãe de Juliana e dos pais de Jean, que estavam cientes sobre o que é casamento e mesmo assim estavam dispostos a tudo.

Um ano depois do pedido eles se casaram e foi algo simples, pois casaram no civil, e na igreja foi algo bem mais barato e discreto do que os casamentos de hoje em dia. Porém, havia muita gente celebrando com eles. Houve um almoço com pratos que o casal amava, como uma deliciosa macarronada com molho branco e molho vermelho, um pernil assado, de entrada patê com torrada, petiscos como presunto, queijo, azeitonas, e um delicioso bolo de sobremesa, além de sucos e refrigerantes já que o casal não bebe bebida alcoólica. Juliana e Jean ajudaram a mãe dele nos preparativos na chácara, até a mãe de Ju ajudou no que podia, como cortar verduras e legumes para a comida. A festa tinha muita música e alegria.

 A vida a dois teve muitos percalços, como a morte do pai de Ju, uma perda muito dolorosa pra ela, visto que era muito apegada a ele,embora não a reconhecesse mais, a infância e adolescência dela era muito marcada pela presença e carinho dele. A descoberta da diabetes na mãe de Jean, que precisou cortar ou reduzir várias coisas na alimentação, como massas e doces também foi alvo de preocupação para todos, pois sabiam os problemas que ela causa se não é controlada. 

Apesar de tudo isso e dos desafios de trabalhar, estudar, cuidar da casa, de Jean, ela estava feliz com suas conquistas.  E mesmo que se preocupe com sua mãe morando só, ela liga sempre, e a visita, já que sua mãe não quis sair de casa. Ju e Jean decidiram esperar mais uns anos para crescer a família. Enfim, a vida dela não é perfeita, mas está na busca constante de ser uma versão melhor de si mesma todos os dias. 

 

 

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